De Rebeca para Isabela.
Era sempre assim. Todos os dias uma pichação diferente em sua carteira da escola. A de hoje dizia: “Baleia de merda”. O consolo de Íris era que estava tudo acabando. Apenas algumas semanas para a formatura e depois da semana de provas ela já não iria mais à escola.
Pegou o álcool em gel que carregava na bolsa e seus lenços de papel e limpou delicadamente as palavras, tão dolorosas, que apesar de agora já não estarem gravadas em sua mesa estavam encrustadas no coração. Baleia de merda. Era só isso que viam nela. Desde que entrara no ensino médio, tudo o que viam era uma garota gorda. Íris já não aguentava mais. Todo o resto, todas as suas outras qualidades eram ignoradas.
Ela tinha cabelos castanhos lisos, com pequenas ondas nas ponta, algo que muitas daquelas garotas que a zoavam tinham que pagar para fazer no salão. Os olhos eram de um tom castanho amendoado, algo que ela mesma sempre achou lindo, mas que ninguém nunca notou, já que ninguém nunca se aproximou o bastante para olhar. E seu corpo? Bom, estava acima do peso, totalmente fora dos padrões de beleza impostos pela sociedade.
Mas e daí? Íris, tinha problemas com sua autoestima, porém sentia-se bonita do jeito que era. Sempre fora gorda e até então não havia tido problemas de saúde por conta disso.Sentou-se na cadeira para assistir a aula quando um garoto entra num rompante e senta-se ao lado dela, no fundo da sala. Ele era bem mais alto que o normal e muito bonito. Usava óculos de aro redondo e tinha cara de que sabia do mundo. Ela já o havia visto na escola, mas aparentemente ele era de outra sala. Ela observou seu rosto por alguns segundos e notou um círculo arroxeado em volta do olho esquerdo. Ele também a encarava em silêncio. Pareciam entender um ao outro, mesmo sem trocarem nenhuma palavra.
O professor entra dizendo que Gabriel havia sido transferido de outra sala e começou em seguida sua aula interminável.
Íris observou o garoto com cautela e perguntou sussurrando:
— Por que foi transferido tão próximo do fim do ano letivo assim?
— Não aguentava mais os babacas da minha sala — Ele responde, também sussurrando.
— Eles fizeram isso com você? — Íris pergunta, impulsivamente tocando o rosto do garoto delicadamente.
— Sim. — Gabriel responde, voltando às suas anotações.
Íris não podia imaginar o motivo de o garoto ser alvo de bullyng, tão bonito como era, apesar de ter um pouco cara de nerd.
O sinal bate anunciando o fim da primeira aula e logo vem Michele, a pior pessoa do mundo, importunar a Íris.— Agora está formada a dupla — ela diz, rindo — A gorda e o bicha!
Ao lado dela sua fiel escudeira Bárbara, conhecida como Babi.
Gabriel observa com raiva as duas, mas ignora. Michele aproxima-se de Íris e diz:— Vocês são a escória da sociedade. São uns nadas! Tenho até nojo.
Íris levanta-se de repente, mas Gabriel a toca e diz com calma:— Calma. Ela vai ter o que merece.
Michele e Babi voltam ao seu lugar e Íris olha estressada para Gabriel, que devolve o olhar com um brilho diferente. Ele levanta a sobrancelha e fala com seriedade:— Eu tenho um plano.
***
Depois de muita insistência de Gabriel, finalmente Íris aceitou realizar seu plano, denominado “a vingança dos nadas”. Incrível como tornaram-se amigos tão rapidamente. Parece que a desgraça do bullyng teve algo positivo na vida dos dois. Mas aquilo pareceu um pouco demais, partir para a ação assim. Porém Íris lembrou-se de quando Michele jogou seu lanche no vaso sanitário, dizendo que ela deveria parar de comer, ou então quando ela e Babi jogaram ketchup em seu uniforme escolar e então Gabriel contou as coisas que Luan (nosso outro alvo de vingança) fazia com ele, como passar batom à força nele, bater nele várias vezes e falar coisas horríveis.— Está tudo aí? — Gabriel pergunta.
Íris observa a bolsa e confere: fósforo, tesoura, mel, um vidro de azeitonas e um cabelo loiro falso. Tudo ideia de Gabriel.— Sim.
Eles sabiam que hoje Michele e Babi levariam seus vestidos de baile na escola para se exibir para as outras meninas e também para mostrar uma à outra o quanto eram lindos. No intervalo das aulas Íris vai ao vestiário e coloca o cabelo falso, enquanto Gabriel se esgueira até o sensor de incêndio da escola com o fósforo.
Íris se esconde sentada no vaso enquanto ouve Michele e Babi entrarem. Elas estão falando futilidades sobre os vestidos e Íris manda uma mensagem à Gabriel. Logo o alarme de incêndio toca e as duas saem correndo do vestiário.
Íris sai do banheiro e se olha no espelho. Ela ri do seu próprio reflexo.Não havia necessidade de usar esse cabelo falso, mas Gabriel insistiu, então ela resolveu usar para sentir diferente, uma pessoa diferente pelo menos por pouco tempo.
Ela vai até os vestidos, deixados na pia do banheiro e pega a tesoura. Faz sua própria obra de arte, picotando tudo o mais rápido que pode com a tesoura.
Em seguida sai do banheiro e anda pelos corredores vazios da escola rapidamente até a sala de Luan. Ela encontra a mochila dele e quebra o vidro de azeitonas em cima dos livros e cadernos dele. Pega o creme de cabelo de Luan e substitui por mel na embalagem. Íris escuta um burburinho de conversas e fica nervosa. Os alunos estão entrando novamente. Gabriel chega sorrindo e pergunta:— E aí, tudo certo?
Ela o observa e por mais ridícula e infantil que essa vingança tenha sido, os dois se sentem muito bem para seguir em frente. Estão extremamente felizes. Eles sorriem e saem da sala rapidamente. Não antes de Íris colocar o cabelo loiro dentro da mochila de Luan.
Mais tarde ele seria zoado como se fosse o bichinha que tanto tirou sarro, por guardar uma peruca na mochila.
Era ridículo, os dois sabiam disso. Nada bonito fazer esse tipo de coisa, mas agiram por impulso e o sentimento de alegria e “dever cumprido”, foi a melhor coisa que sentiram na escola depois de anos de tortura psicológica.
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Amigo Oculto Literário
Short StorySorteio entre amigos do grupo do Whatsapp ajudando escritores, em que cada participante recebe em sigilo o nome de outro a quem deve presentear com uma one shot.