Magnus Portal

9 3 0
                                    

De Anna para Isabela

Gritos.
Agudos, incansáveis, fortes e assustadores.

Mabel podia ouví-los das mais diversas formas cada vez que dava passos por entre os corredores do hospital em que havia nascido.
Fechado para reformas e abandonado após 3 meses, ela parecia querer aventurar-se por lá.
Os pisos repletos de rolos com tintas já secas e as janelas de vidro quebradas davam um ar diferente no local. Um ar realmente diferente e assustador.
Ela continuava ouvindo gritos. Podia jurar que via rostos e mais rostos desesperados tentando ultrapassar as paredes de cimento, e seu corpo estremecia toda vez que sentia toques leves em seus ombros largos e nus. Parecia ter sido uma péssima ideia ter ido justamente ao hospital Magnus Xflowert com uma blusa que não lhe cobria o corpo. Não sabia o que lhe esperava, não exatamente, mas já sentia uma dose de arrependimento invadindo-lhe terrivelmente.
Os cabelos cacheados mais ou menos na altura do busto vez ou outra se mexiam para os lados, mesmo sem vento. Mas ela podia sentir um vento gélido atravessando sua nuca. Com os olhos apertados, as mãos unidas e uma reza forte, ela precisava sair daquele local, mas era tentador saber como aquelas paredes de cimento tinham tantas histórias. A de sua mãe, aliás, também estava por lá.

  Veio à óbito durante o parto. 30 anos de idade, carreira excepcional, relacionamento invejável e o desejo de ser mãe se realizando.
Mabel não sabia, mas era culpada. Ela possuía boa parte do sangue ruim da família de seu pai. Individualistas, egoístas e ríspidos, sabiam que um bebê atrapalharia tudo. Mas, eles morreram. Ela estava sozinha novamente. Sozinha de todas as formas possíveis, mas não no hospital.
Sabia que, de forma alguma, as pessoas estavam sozinhas. Observadas, vigiadas e cuidadas, elas fazem parte de uma espécie de observatório do outro plano.

Após alguns anos da morte de sua mãe, havia recebido um convite inesperado durante a madrugada. As portas batiam, as janelas abriam e fechavam e a tempestade do lado de fora parecia não acabar nunca. Foi quando, de súbito, decidiu brincar com espíritos, e foi sortuda o suficiente para que não caísse com algum dos espíritos zombeteiros e hospedeiros.
Na tábua, o nome do hospital Magnus repetia várias e várias vezes juntamente de um horário. Quem quer que fosse, precisava ter certeza de que ela havia entendido o recado.

Mabel estava no corredor mais escuro. As macas enfileiradas na esquerda e na direita sem os colchões, os lençóis e travesseiros lhe causavam uma sensação ruim. Andava em passos lentos. Os gritos a deixavam louca.
Foi quando, inesperadamente, eles pararam e deram lugar ao silêncio.
Do final do corredor, ela podia ver uma única maca com colchão e lençóis. E um corpo sentado. Chorando. Um choro para dentro, quase silencioso, que foi se tornando cada vez mais forte, pesado e que tornava o ambiente triste. A garotinha de cabelos cacheados se aproximava com receio.

Uma mulher. Os olhos avermelhados e as lágrimas manchando o pijama hospitalar. Sua voz embargada estava pedindo perdão por tê-la deixado sozinha e o medo percorrendo-lhe cada canto do corpo pálido e gelado. Mabel podia sentir. O corpo da mulher era gelado, de uma maneira diferente. O olhar vazio a causava arrepios também.

Algo não estava certo. Estar ali não era certo.

— Q-quem é você?

— Me perdoe, pequenina. Por ter te deixado só nesse mundo cruel. - ela chorava copiosamente. — Seu sangue ainda tem o cheiro ruim e traiçoeiro da família Alvergueb.

— M-mamãe? - ela indagou de maneira quase inaudível.

— Querida. Se você não tivesse nascido, talvez eu pudesse estar aqui novamente. Mas, oh, se você não tivesse nascido, talvez coisas ruins poderiam não ter acontecido com você. Venha, me dê um abraço. Tudo está bem agora.

Mabel a encarava assustada.
Sangue ruim? Traiçoeiro?

— Seu pai morreu assim que você recebeu alta, querida. Ele estava aqui, nesse hospital. As almas ruins ainda vagam por aqui. Você deve ter escutado seus gritos de socorro, não?

— Sim. Eu soube que não estava sozinha assim que pisei nesse chão.

— Oh, querida. Eu sinto muito, mas você tinha que voltar aqui. Precisamos dar um fim a essa história.

— Como assim? - indagou.

— Eu só posso seguir de verdade até o outro plano se você for comigo. Esse hospital tem tantas energias ruins que estão me impedindo de voltar para o outro lado, querida. - ela estava com um sorriso estampado no rosto. — Venha comigo, por favor.

— Eu não posso, mamãe.

— Você pode, querida. Está sozinha nesse mundo, não está? - ela assentiu com a cabeça. — Então, nós podemos ser felizes. Você não merece ser atormentada. Esse hospital assombrado é um portal. Um portal perigoso.

Mabel sorriu.

Ela estava morta no local de seu nascimento.

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora