INTOLERÂNCIA RELIGIOSA

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De Karina para Leonardo

Quando Manu era pequena o que mais ouvia de sua mãe era que em meio a uma guerra todos estão sujeitos a morrer. O que diferencia cada soldado é saber reconhecer o fim que os levaram até sua morte. Alguns morrem por obrigação, outros por fraqueza e existem aqueles que morrem porque escolhem morrer. Talvez a paixão, a convicção ou até mesmo a fé mostra que tais soldados entraram na guerra com um objetivo é seu sangue não foi derramado vão.

Manu cresceu sabendo pertencia a uma guerra sem fim, uma guerra que seu povo enfrentava, que não tinha data pra terminar. Númeroso é forte, a garota de longos cabelos pretos conhecia as várias histórias que o rondava. Vários poderes do mundo já tentarão lhes destruir, mas nunca conseguiram e seus líderes sempre lhes disseram que está era a vontade de seu Deus. Mas porque a guerra? Porque milhares tinham que morrer?

Seus pais eram médicos e desde os 13 anos, acompanhou de perto a realidade que poucos sabiam. Mortos, feridos e dilacerados. Homens, mulheres e crianças muitas vezes menores que ela, que chegava com o olhar vazio e com rostos ensaguentados, estas ela sabia que eram tais soldados que sua mãe mencionara tempos atrás, sobre não fazer ideia de onde estavam. Seu coração se comovia e assim e com o desejo de ajudar, adentrou naquela guerra.

Fora do país terminou os estudos, e a contra gosto dos pais retornou para base médica militar em Israel, para trabalhar como enfermeira em uma das unidades montadas para feridos. Aos vinte e cinco anos, a jovem e bela israelita atendia mais de cinquenta civis em posto. Era amada e amava o que fazia. Cada olhar agradecido, abraço e sorriso, ela entendia valia a pena todo esforço.

Certa noite, fora de seu turno, ouviu a sirene tocar e vários gritos se estender pelo campo. A moça levantou assustada e viu Raquel, uma outra enfermeira vir correndo em sua direção com os olhos arregalados de medo.

— Soldados! Eles nos acharam e estão vindo pra cá.

Sem pensar duas vezes, Manu seguiu Raquel até tenda da enfermaria e tentou colocar auxiliar alguns pacientes, porém foi interrompida pelo alto estrondo de uma bomba jogada ali perto. O chão tremeu e a intensidade sonora fez a garota parar e gritar com as mãos nos ouvidos. Após isso, os tiros se iniciaram e todos começaram a correr desesperados. Manu tentava ajudar os enfermos, mas Raquel pegou sua mão e gritou com ela.

— Precisamos sair daqui agora!

— Mas e eles?

— Sem nós, eles não têm chance. Precisamos nos salvar! Não sabemos até quando eles ficaram aqui.

Sem querer, a garota se foi. Várias pessoas corriam de um lado ao outro  uma grande confusão. E foi assim que sem perceber sua mão se soltou da de Raquel. Sozinha, em meio ao caos, tiros, e com pouca iluminação, Manu não sabia bem pra onde ir. Resolveu correr até um beco mais próximo, mas antes de chegar foi pega por um cara de farda com um sorriso malicioso no rosto.

— Olha o que eu achei aqui!

— Me solte, por favor! — implorou a moça, com os batimentos acelerados.

O homem soltou um alto riso e a puxou bruscamente para mais perto de si.

— Adoro quando imploram, vadia!

E lhe deu um forte soco em seus rosto, fazendo a moça desmaiar.

Manu acordou tempos depois, com um forte dor na cabeça. Ao olhar ao redor, percebeu que estava em quarto com cheiro de esgoto. Suas paredes estavam pichadas e com várias infiltrações. No chão imundo havia restos de comida e algumas baratas eram vistas em seus cantos. Manu teve vontade de vomitar a princípio. Colocou a mão na boca por alguns instantes, e sentiu o gosto de sangue. Apavorada foi fazendo um caminho por seu rosto com a mão, e quando chegou na cabeça, sentiu uma casca seca, provavelmente de sangue que se secou. A dor era devido a isso. Olhou pela primeira vez pra si e se viu com as roupas rasgadas, ela engoliu seco "onde eu estou?"

A porta ao seu lado se abriu e três homens entraram no cômodo. Portando metralhadoras, Manu imediatamente reconheceu um deles. Ela logo recuou com medo e todos riram.

— Eu não tenho dinheiro. Não tenho serventia nenhuma pra vocês!

Os três homens riram novamente.

— Ela pensa que queremos dinheiro, Matruzi! — falou um rapaz jovem. Manu percebeu que ele era forte e devia ter sua idade.

O homem não parou de encarar a garota e sentou na beirada da cama.

— Calma! — gesticulou o homem a quem se lembrava, e que agora sabia que era chamado de Matruzi  — Isso não vai demorar muito.

— Por que não matou essa vadia ontem, cara? Gazrori disse que tínhamos que partir antes da invasão — falou o terceiro homem. Dentre os três ele parecia ser o mais velho e mais preocupado.

— Não observei ela durante meses pra deixá-la morrer nas mãos de um burro qualquer.

O homem revirou os olhos impaciente e bufou.

— Então seja rápido! — afirmou.

— O que vão fazer comigo? — perguntou Manu em meio às lágrimas, tentando recuar ainda mais, mas havia chegado ao fim da cama.

— Vamos brincar! — falou o jovem, dando a volta na cama e pegando uma faca de dentro dos bolsos.

— É apenas uma pergunta, doutora. Que pode te salvar — Mutrazi se levantou

— Eu não sou doutora — cuspiu as palavras, e levou um soco pelo jovem que estava atrás dela.

— Eu ninguém liga — e sorriu sádico —  Bom, vamos a ela. Doutora, você nega seu deus?

Manu arregalou seus olhos. O que Deus tinha a ver com aquilo? Ela sabia que nada. De qualquer forma eles a matariam. Viu quando Matruzi retirou um crucifixo do bolso de trás. Ele era médio e tinha um Cristo pregado nele.

— Vamos lá. Não é uma pergunta difícil. — Matruzi alisava o objeto em suas mãos — dependendo da resposta, talvez a gente até deixe você com vida. Não é demais?

— Não! — sussurrou baixinho, com a cabeça baixa — Eu não o nego!

Manu levantou a cabeça convicta e nele haviam vários ferimentos, a beleza que antes predominava, se escondia atrás do sangue e do inchado que estes proporcionava. Ela tentou correr, mas o rapaz atrás dela a pegou e jogou com força sobre a cama. O outro homem a amarrou na cama e com a faca Matruzi rasgou as roupas da garota que chorava, implorando pra pararem. Ao vê-la nu, os homens sorriram uns aos outros e o jovem comentou.

— Esse povo nojento deve servir para alguma coisa afinal.

— Eu disse! — concordou Matruzi e se aproximou do ouvido da moça — Cadê o seu deusinho agora, hein?

— Você acha que ele vai vir te salvar? — o jovem ironizou, correndo até a janela — Não hoje!

— Talvez, você não pediu direito. —Matruzi colocou o crucifixo ao lado dela — vai pedindo. Uma hora quem sabe ele apareça.

Um por um, estrupou a garota. Uma, duas, três vezes. Após o ato, viram que aquilo não era o suficiente e começaram a torturada. Cortando partes do seu corpo com a moça ainda viva. Porém, antes de cortar suas garganta eles enviaram o crucifixo em sua boca até sua goela.

Durante todo o período de tortura, Manu lembrou das palavras de sua mãe. Ela não seria lembrada, nem teria seu nome em uma rua ou uma praça. Manu seria apenas mais uma da lista enorme da estática Mundial de pessoas que morrem na guerra de intolerância religiosa que ocorre nesse momento no mundo. Ela tinha consciência que não sairia dali viva, ao nascer cristã havia assinado seu contrato de morte. Porém, entendia por que estava ali e não negaria o que acreditava por se deparar com fato que sabia que a qualquer momento iria bater de frente. Ela sabia do risco. E por mais doloroso que fosse, seu sangue não foi em vão. Ela tinha ajudado a muitos e não se arrependia da escolha que havia feito.

Info: A história de Manu é totalmente fictício, mas segundo o Center for Study of Global Christianity é que em 2016, 90 mil cristãos foram mortos pela sua fé em 2016.  Um a cada seis minutos. Atualmente existe uma estimativa entre 102 países de 500 a 600 milhões de cristãos que não podem professar sua fé.

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora