De Alana para Laís
A sala de interrogatório é totalmente cinza, gélida e praticamente vazia. Ali há mesa, duas cadeiras e uma jovem pálida sentada em uma delas. A porta se abre, gerando um rangido. Logo, um homem robusto adentra o local com o gravador de voz em mãos, o guarda fecha a porta fazendo barulho, a garota levanta a cabeça encarando-o com a expressão amedrontada. Ele senta na cadeira a frente dela. Cinco minutos passam, ele liga um gravador e se pronuncia acabando com o silêncio:
- Boa noite, meu nome é José. Sou o investigador do seu caso.
- Sou Amélia...
- Eu sei. Pronta para contar o que aconteceu naquela floresta?
Amélia acena positivamente e começa a falar:
- Tudo começou quando meus amigos e eu decidimos fazer uma viajem no fim de ano, pois economizávamos dinheiro a cinco anos exatamente para isso. Fizemos uma votação e todos escolhemos o Japão.
- Por quê?
- Somos otakus desde pequenos. Sempre quisemos ir para lá, principalmente por causa da Aokigahara.
- Aoki o quê?
- A floresta do suicídio, ou mar de mortos se preferir.
José assimila aquilo e manda ela prosseguir, jurando não haver mais intromissões.
- Nós liamos muito sobre os suicídios que lá ocorrem, por isso estávamos muito curiosos para entender o porque dele ser o segundo lugar que mais ocorre esse tipo de morte... Assim que as aulas da faculdade terminaram, nós quatro nos reunimos na minha casa. Lucas, Julie e Willian, estavam tão animados quanto eu, as malas já se encontravam arrumadas, mas a viagem aconteceu somente na semana seguinte...
Ao chegarmos no Japão fizemos check-in em um hotel, um quarto para as meninas e outro para os meninos, frente a frente. O meu e o da Julie era da cor bege, com algumas flores, duas camas de solteiro, uma poltrona e vista para a cidade de Tóquio. Somente no outro dia voariamos de helicóptero para chegar até a ilha Honshu. Não demorou muito para os meninos invadirem nosso quarto, ficamos conversando sobre como seria o dia seguinte, pois só conseguiríamos entrar na floresta graças a Will que nos inscreveu como voluntários para remoção de corpos...
Logo que o dia nasceu, todos acordamos e se arrumamos, tomamos café no restaurante. Após isso, seguimos para o local em que pegariamos o helicóptero. Quando lá chegamos fomos cumprimentados pelo piloto em inglês, instruções foram dadas e então seguimos para o monte Fuji.
Havia cerca de dezesseis voluntários além de nós e todos seguimos por uma trilha, marcada com uma fita. A maioria dos corpos que encontramos se encontrava em um estágio avançado de decomposição. O cheiro e a aparência eram horríveis, comecei a passar mal. Por tanto nos afastarmos do grupo, não percebemos quando eles seguiram sem nós. Foi a partir daí que nosso sonho virou pesadelo. As folhas das árvores estavam amareladas, o som de animais era quase inexistente. Haviam borboletas marrons, mas elas não tinham corpo, apenas esqueletos. Não havia vento, porém sentíamos frio. Corremos de mãos dadas em busca da saída, sem obter nenhum resultado. Ouvimos um estalo, Lucca olhou para os pés e percebeu que era um esquilo, bem embaixo do seu tênis. Ele se assustou e deu um passo para o lado, só que aí seu pé deslizou, tentei segurar sua mão, porém não consegui. Seu corpo rolou pela floresta até chegar em um rochedo aonde acabou sendo esmagado, ficamos em choque, o grito não saiu, as lágrimas rolavam e me senti completamente impotente.
O soluço de Amélia preencheu a sala, seu corpo tremia. O investigador levanta da cadeira e caminha silenciosamente ate a porta, abre e pede para o guarda que está do lado de fora para que traga um copo de água com açúcar para a moça. Dois minutos passam e o guarda volta com o pedido em suas mãos, José agradece, fecha a porta e volta para a cadeira, alcança o copo a Amélia que toma um gole e continua sua história.
- Eu o conhecia a dez anos, ou seja metade da minha vida. Vê-lo daquela forma foi insuportável. Julie e Will me ampararam e me guiaram para longe dali, o ar de tristeza pairou por nós durante horas, não tinhamos comida ou bebida e os voluntários haviam sumido, Willian sugeriu que seguissemos para o topo e assim fizemos. Ele disse que precisava fazer xixi, então se afastou de nós, o dia escureceu e nada dele voltar, Julie entrou em desespero, fomos procurá-lo, quando encontramos, preferimos não tê-lo feito. Seu corpo estava perfurado com galhos de uma árvore em vários locais diferentes, Julie não aguentou aquilo, saiu correndo e não parou até encontrar uma rocha pequena e afiada, a qual ela usou para cortar a garganta. Tentei estancar o sangue com minhas mãos, em vão, cavei a terra e enterrei-a. As folhas das árvores caíam sobre mim e não conseguia me mover, foi nesse estado que os voluntários me encontraram, suja de sangue, terra, com folhas no cabelo, arranhões em algumas parte do corpo e praticamente sem forças. Eles me ajudaram a sair da floresta, mas a floresta não saiu de mim desde então.
Amélia encarou José com os olhos vermelhos, a expressão de incredulidade dele era perceptível agora. Ele não se moveu por um longo tempo, até pegar o copo vazio e ir entregar ao guarda que havia entrado na sala há um tempo. A jovem vai até ele, lê o nome no uniforme: Bruno, abraça-o, os dois homens ficam confusos, então escutam a arma ser destravada, o investigador tenta tirar o objeto da mão dela, o tiro ecoa na sala e o corpo sem vida de Amélia caí no chão. Finalmente ele entende a frase utilizada pela vítima, ela sobreviveu a floresta, mas o que ela viveu lá não saiu de dentro dela e isso causou seu descontrole e morte.
O caso foi encerrado e o corpo da jovem cremado. Suas cinzas foram jogadas no lado noroeste do Monte Fuji, aonde está localizado aquele imenso mar de corpos.
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Amigo Oculto Literário
Short StorySorteio entre amigos do grupo do Whatsapp ajudando escritores, em que cada participante recebe em sigilo o nome de outro a quem deve presentear com uma one shot.