A Bruxa Que Há Em Mim

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De Laís para Taise

Nunca fui uma pessoa diferente. Muito pelo contrário, sempre cumpri muito bem meu papel de boa moça e não era para menos. Em plena década de cinquenta, não havia outra opção para uma moça de dezenove anos. Vivia minha vida pacata e dificultosa trabalhando como faxineira em um bordel famoso da cidade, o que manchava dia após dia a minha reputação. E enquanto eu não possuísse condições financeiras para tal, assim continuariam as coisas.

Isso até o dia em que recebi uma estranha correspondência. Tratava-se de uma carta informando que minha única familar viva - uma tia-avó - falecera e me deixara todos os seus bens. Nela havia o contato de um advogado e uma orientação para que o procurasse em uma pequena cidade ao sul. Juntei meus poucos pertences e economias e viajei até lá.

Ao chegar à cidade, fiquei maravilhada com os encantos de uma cidade aconchegante e organizada. Desci na rodoviária e não pude deixar de admirar os jardins muito bem cuidados e as pessoas muito simpáticas. Parei em uma lanchonete e perguntei à moça onde eu poderia encontrar o tal advogado.

— O Doutor Johnson atende nesse endereço. – Rabiscou numa folha de papel um endereço qualquer e me entregou.

Agradeci sorridente e segui caminhando. Por se tratar de uma cidade muito pequena, em dez minutos eu estava batendo na porta de um pequeno escritório. Um homem jovem e muito bonito me atendeu com muita simpatia.

— Procuro o Doutor Johnson – arrisquei.

— Veja que sorte. Está falando com ele – sorriu de canto, fazendo uma espécie de reverência engraçada.

— O senhor entrou em contato comigo na semana passada, sobre uma herança – expliquei e, ao notar sua expressão confusa, continuei – Desculpe o mau jeito. Sou Cindy Chapman.

— É claro! – concluiu, enquanto procurava alguma coisa em suas gavetas desorganizadas. – A senhorita é a sobrinha-neta de Lilian Dwayne. O testamento foi lido na terça-feira passada. Vocês se conheceram?

— Oh, não. Eu não fazia ideia da sua existência até a sua carta. Ela era irmã da minha avó, mas estranhamente, nunca foi citada em nenhum jantar de família – expliquei.

— Isso não me surpreende. Digamos que Lilian era uma mulher um tanto peculiar.

— Peculiar como?

— Melhor descobrir por conta própria – respondeu, dando uma piscadinha. – Vou acompanha-la até a sua nova casa.

Sem entender direito, ele acomodou minha pequena mala no porta malas do carro e me levou até uma casa distante do centro onde nos encontrávamos. Tudo seria perfeito, não fossem as pichações terríveis nas paredes da casa. “Bruxa”, “Feiticeira” e “Espero que Diabo a tenha carregado” era só uma amostra das coisas terríveis que estavam lá.

— O que isso significa? – indaguei, cobrindo a boca com as mãos.

— Isso não é nada, senhorita. Amanhã mesmo mandarei alguém dar um jeito nessa situação – tornou, como se fosse algo corriqueiro. – Descanse bem. Amanhã pela manhã passarei aqui para acertarmos os últimos detalhes da transferência da casa.

— Obrigada, senhor Johnson – sorri, oferecendo-lhe a mão para que ele apertasse.

— Luke – sorriu, pegando a minha mão e a beijando. – Pode me chamar de Luke.

Sorri, sem graça, sentindo minhas maçãs do rosto corarem.

Mesmo desconfortável com a situação, concordei e entrei na casa. Por dentro, ela permanecia graciosa e bem arrumada, apesar da camada de poeira que começava a se formar. Segui até a prateleira onde encontrei alguns porta-retratos dispostos. Havia algumas fotos de uma senhora que eu supus ser minha tia-avó. Uma delas, ela estava abraçada a um menino bastante familiar. Peguei a foto em minhas mãos e tentei me lembrar de onde eu conhecia aquele rosto, mas eu estava cansada demais. Recoloquei-o sobre a prateleira e caminhei até o quarto. Tomei um banho rápido e, mesmo que ainda não tivesse anoitecido, deitei-me sobre a cama e não tardei a dormir.

Acordei com fortes batidas na porta e levantei num salto. Vesti um robe e corri até a porta na ânsia de atende-la e dei de cara com o Luke. Após alguns segundos tentando entender o que estava acontecendo, lembrei-me do que ele combinara comigo no dia anterior. Desculpei-me veementemente pela situação, alegando o cansaço do dia anterior e pedi que ele me aguardasse na sala, enquanto eu me vestia adequadamente.

Quando retornei à sala, encontrei-o observando aquelas mesmas fotografias que me despertara curiosidade no dia anterior. Ao me aproximar, dei-me conta que o garoto familiar que eu vira era, na verdade, o Luke.

— Vocês eram próximos? – indaguei, tentando soar despretensiosa.

— Muito próximos – respondeu, com um sorriso. – Ela me tratava como a um filho depois que minha mãe falecera e foi ela quem bancou meus estudos. Eu tenho grande estima pela sua tia-avó, senhorita Chapman.

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