Fragmento de Saudade

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De Lucas para Bia Coutinho.

De dentro do carro, sentado na poltrona confortável e com um cigarro entre os dedos, vislumbrou com um pesar na alma toda a paisagem. Por mais que estivesse protegido dos raios solares que abraçavam toda a terra naquele fim de tarde, lembrou-se e sentia no ar o clima fresco que a praia oferecia à todos. O mesmo ambiente que passeara algumas vezes com sua antiga amada, ambos com os pés nus sobre o chão arenoso e fofo, quase tocados pela água que vinha e ia sutilmente, mesclando o azul com algumas espumas que logo sumiam. As lembranças marcavam os dois de mãos dadas no vigor da idade. Por coincidência, lembrou-se de serem apenas duas silhuetas expostas ao vento fresco, enquanto andavam em direção de um pôr do sol vívido.

Tragou, prendeu o ar e soltou a fumaça amarga da solidão. Com sua antiga amada tivera um filho, Rafael. Uma criança dócil e que viu poucas vezes e, por mais doloros que fosse, decidiu manter distância por oferecer riscos ao pequeno. Mesmo com o carro ali, parado sobre a areia da praia, sentia extrema falta de poder ter alguém a partilhar dos seus dias. Sentia que, por mais que tentasse, terminaria no fim da vida só, em um asilo ou, antes mesmo, morto por uma bala perdida.

Jogou o resto do que segurava para fora da janela, lembrou-se que na última vez que viu o filho prometera que não poluiria o meio ambiente. Bufou, levantou-se do banco e agachou-se para pegar a bituca. Colocou-a no bolso e partiu junto de seu Opala para a estrada. A fome atacava e, junto com sua esperança de ter algo concreto algum dia, o pôr do sol fincava sua marca sobre o mar e o alaranjado cobria em um abraço caloroso toda a região, se extendo atrás de montanhas e prédios.

Sentado no banco de um barzinho qualquer, despreocupado com ocarro estacionado no outro lado da rua, mastigava o x-tudo com bastante gosto. Aquele alimento era a única certeza de sua vida, antes da morte. Antes que pudesse pedir o próximo ao balconista, notou uma família entrar e sentar-se ao fundo, perdendo-se no marrom rústico das paredes, chão, mesas e risadas. Com eles havia uma criança de cabelos curtos e castanhos. Era notável a ausência do dente no sorriso do pequeno.

Pediu a conta, pagou o débito e dirigiu para sua moradia.

Por mais entristecido que tivesse, subiu as escadas e destrancou a porta de madeira que separava o corredor de seu apartamento de apenas um cômodo. Nada mais. Vislumbrou as roupas jogadas sobre a única mesa de madeira presente, um colchão velho e uma TV. Viver escondido era doloroso, sempre fora. Ainda mais com o emprego que o sustenta, ficar apenas em um lugar demonstrava guarda baixa e um extremo perigo. Seu pequeno e sua antiga amada faziam falta.

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