Só mais um dia

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De Bia para Igor

O natal fora perfeito! Adorei passar a festa com a minha família e só de pensar que não tenho que trabalhar no dia seguinte, pelo recesso de final de ano na escola, relaxei e me permiti.

Vi meus irmãos, ajudei minha mãe a colocar a mesa da ceia e a casa já estava enfeitada para o natal. A árvore montada, grande no canto e luzinhas coloridas. Os presentes estavam embaixo dela e o nosso famoso amigo oculto foi muito divertido. Também dei um presente para cada das minhas filhas, três meninas lindas, mesmo passando por uma mudança.

Fui casada durante nove anos com meu segundo marido, Fagner. Ele era ótimo, mas nesse final de ano não aguentei mais lutar por um casamento falido, ainda mais quando apenas uma pessoa lutava por ele. Quando Fagner tomou atitude já era tarde para mim, não o queria mais. E depois de nove anos pude passar os dois dias de natal com os meus. À vontade, livre e leve, sem me preocupar com explicações sobre conversas e bebidas a mais. Então me separei, o pedi para ir embora e nunca mais voltar. Por isso, o meu natal foi perfeito!

Havia um problema, que está sendo resolvido. A casa onde moro é cara demais para mim e nesses quatro meses separados ele ainda me ajudava e tinha a chave de lá, já que ele não queria devolver. Sabia que não estava feliz com a separação e fazia aquilo para voltarmos a morar juntos, mas não tinha volta. E a minha vida estava seguindo. Encontrei um rapaz que me fazia bem, não quero nada sério com ele, afinal sai de um casamento agora, mas estou me divertindo muito com ele e isso que interessa.

E hoje dia 26 de dezembro, depois de ter passado dois dias lindos maravilhosos com pessoas que me querem bem, eu vou encontrá-lo. Estou contente, porque ele vem me buscar para sairmos e comemorarmos um pouco mais. Minhas filhas já estão com o pai delas e terei uma noite de folga.

Minha casa é humilde, mas confortável. Em janeiro me mudo para não depender mais de ninguém. Chamo-me Maria de penha, tenho 33 anos e sou negra, minha altura é alem da media para uma mulher, mas sou feliz, e agora mais ainda, bruno mexe comigo de uma forma que nunca pensei que sentiria. A companhia tocou e viu o bruno lindo a minha espera. Peço para ele entrar, falta apenas o batom.

Entro no quarto e Bruno não aguenta, vem atrás e me beija. Não ouço o abrir da porta e nem o barulho da chave, apenas quando Fagner chega no quarto e começa a gritar. A partir daí, o tempo começou a correr! Lembro de discutir, situação frequente com ele e depois me sentir empurrada na cama, bruno parte para cima dele sem saber que ele estava armado. Dá uma facada no Bruno que sente e tenta se defender, mas Fagner queria a mim. Então corri!

Não sabia o que fazer e fui correndo para rua procurando ajuda enquanto Fagner gritava que se eu não fosse dele não seria de mais ninguém. Naquela noite parecia que todos haviam se recolhido mais e ninguém poderia me ajudar, corri muito pensando em minha vida, em minhas escolhas, em minhas filhas. Corri ate tropeçar...

Cai no chão e não levantei mais, Fagner está deitado em cima de mim me esfaqueando pela raiva de me ver com outro, pela raiva da separação, pela verdade que era só dele. A cada facada uma dor, a cada dor uma lembrança, a cada lembrança uma preocupação com minhas filhas. Minha barriga dói, minhas pernas e meu pescoço e minha visão escurece, não antes de ouvir a sirene da policia.

Ele corre tentando fugir e eu fico no chão sangrando, sem vida!

Infelizmente minha consciência parece estar ativa e sinto um choro perto de mim. Percebo que é minha filha mais nova chorando sob o meu corpo. Queria poder levantar e abraçar minha menina, mas me corpo não obedecia. Eu não podia fazer mais nada. O que ele me falou ele cumpriu, mesmo eu não acreditando: Se você não for minha, não será de mais ninguém!

Estava tudo planejado, eu me mudaria em janeiro, passaria a noite de ano novo na praia com meus amigos e viveria minha vida, talvez assumiria o bruno ou não, mas continuaria a cuidar das minhas filhas. Eu só pedia a Deus, ali deitada no chão, só mais um dia!

De repente nesse dia poderia ter conversando com Fagner mais uma vez, nesse dia eu sairia com as minhas filhas, faria as pazes com as minhas desavenças, faria o que sempre tive vontade de fazer. Nesse dia, eu viveria tudo o que teria que viver, nesse dia eu não pararia nem um segundo...

Eu faria tanta coisa...

Mas por ciúmes minha vida foi tirada de forma estúpida e abrupta.

Soube que ele se arrependeu quando a policia o pegou, algemado e detido no chão, chorou pelo o que fez. Ele não acabou apenas com a minha vida, mas com a vida da família dele também.
E nisso tudo eu apenas penso, que se tivesse só mais um dia, tudo seria diferente...

(Esse texto foi em homenagem a Priscila Barros, amiga, guerreira, mãe. Que perdeu a vida pelas mãos do ex-marido que não aceitava o fim do casamento.)

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora