Amaldiçoados

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One shot de Ricardo S. para Egle

“VOLTE E ACABE COM ELES”

O garoto permaneceu forte, valente e destemido ante os clarões que iluminavam seus cabelos castanhos em um tom vermelho. Tivera dias muito melhores quando caçado nas montanhas do sul após fazer sua lamina beber de sangue proibido, não era todo dia que podia-se desembainhar sua Balmung e permitir a carnificina. Mas de algum modo ele sabia, sua arma rugia após o gemido agudo soar da carne rasgada como se pedisse por mais.
Talvez fosse uma maldição ou um presente dos deuses antigos. A lembrança de seus olhos cinzentos eram algo que ele não gostava de lembrar. Eram olhos de ódio e repulsa.
O garoto parecia pouco se importar com as condições adversas quando cruzou a trilha fechada após deixar a estrada, mas havia apenas parado de se importar em sentir. Podia ainda ouvir os malditos cães a suas costas ou ver as luzes das tochas a sua retaguarda. Caçadores de monstros travestidos de aldeões patéticos com algum pensamento vago de sua verdadeira natureza. Matar aquelas pessoas medíocres só atrasou sua fuga dos verdadeiros caçadores com suas cruzes e estacas ornadas de ouro.
Bem, tudo parecia passado, ele mesmo havia percebido. De tempos em tempos, parava, esperava e escutava o vento murmurando pelos galhos cecos das arvores. O que podia escutar era desagradável. Escutava o nada e seu coração parado. Por algum motivo, os aldeões haviam ficado para trás com medo.
Deviam ter sido os lobos, aqueles de longe eram lobos estranhos. Matar foi difícil, rasgaram seu ombro e quebraram-lhe um dedo com ataque de bestas. Mas no final, a espada pareceu fazer seu papel assim como ordenado pelo mestre “proteja o menino”.
O coração de sua mãe ainda parecia pulsar em suas mãos após o ocorrido, a maldição.
O garoto não se lembrava mais daquilo como quando ocorreu, Balmung tomava sua mente antes mesmo dele notar o que acontecia, buscando trilhar o caminho de vingança deixada pelo pai.
A lembrança dos monstros era vaga, um sonho muito distante de um herói que chegava nas horas erradas para salvar os inocentes.
Inocentes?
Ele não sabia mais o que era aquilo, sua empatia pelos outros não passava de um vago sentido de existência ante a suas presenças insignificante e mortais.
Qual era a diferença dos corpos no final das contas?
Ele já parecia apenas diferenciar qual comer e qual enterrar para alguma valkyria esquecida.
O garoto caminhou pela subida da colina, arfando com dificuldade enquanto os espíritos murmuravam sua sina eterna como um pressagio que infelizmente não vinha.
“Vai morrer garoto”
“Vai matar pessoas boas”
“Bom garoto”
“Se entregue para nós”
“Enterre a Espada na garganta”
O garoto rosnou para os pensamentos. Subiu a colina com a ajuda de um pedaço de pau e conseguiu chegar ao topo. A escuridão era quase total não fosse os raios queimando pelos céus com sua medíocre fatalidade. Ele não se importava contanto que pudesse ver no caminho camuflado pela tempestua.
Talvez estivesse longe o bastante para abrigar-se em uma caverna qualquer enquanto a floresta negra Vrasnik e seus monstros de olhos vermelhos, estivesse distante. O garoto precisava dormir, ainda era algo que ele precisava depois de tantos anos após perdido sua natureza. Daquilo ele não abriria mão depois de tudo.
Caminhou por alguns metros protegendo os olhos dos gelados pingos tentando fitar o horizonte além, mas ao chegar próximo demais de um enorme tronco tombado entre os tantos carvalhos centenários, viu a sombra de um colosso. O clarão veio logo em seguida junto ao som monstruoso do rugido. O relâmpago correu pelo céu iluminando o cenário à frente, descobrindo o castelo na escuridão total.
Se aquilo surpreendeu o garoto, ele não pareceu como tal, apenas analisou a construção com seus típicos olhos cansados por alguns instantes. O lugar parecia abandonado há séculos, destruído por alguma guerra e prevalecido ante as adversidades.
De perto, o local parecia ainda mais abandonado, portões contorcidos de um modo estranho, sulcado pelo que pareciam garras. O arco de entrada era magnifico, provavelmente com cinco metros de altura e portões de ouro, mas agora tomados pela vegetação. A estrada que descia às costas do menino havia sido tomada por enormes arvores retorcidas e à frente, uma ponte extensa de pedras esculpidas.
O menino caminhou após cruzar o portão entreaberto, seguindo em direção a enorme porta de madeira que aparentemente, resistira a qualquer tipo de adversidade. A entrada de madeira negra, parecia a boca de uma besta colossal, a porta de uma garganta congelada. Um monstro que provavelmente assistiu aos acontecimentos de eras passadas. A última testemunha de um império agora em ruinas.
A porta estava aberta quando o garoto forçou com uma das mãos, revelando uma escuridão aterradora. O ranger da madeira pareceu muito maior do realmente era e o estalar de alguma louça derrubada pelo vento que invadiu o gigantesco saguão, soou como a presença de alguém. Aquele local parecia tomado por uma aura estranha, um cheiro peculiar de mofo invadiu as narinas do rapaz quando ele fechou a passagem atrás de si.
Poucos segundos depois, uma luz azul banhou os objetos no escuro revelando o salão central destruído. Era um brilho provido de uma pedra pequena no pescoço do garoto pendurada por um cordão magico. Um presente que ele carregava sempre que estava diante da escuridão que atingia seu coração, um presente de um amigo querido que não passava de uma lembrança transformada em uma sombra consumida pela sua jornada.
Repentinamente, o local tornou-se silencioso e sombrio, um lugar onde nem mesmo o chiado da tempestade podia alcançar seus ouvidos. Aparentemente, o castelo havia sido abandonado há tanto tempo quanto ele podia ter de vida.
O território era inexplorado, mas ele não se arriscou pela curiosidade, arriscou-se no escuro para encontrar um local no mínimo respeitoso para uma noite de sono que um cão precisava. Ele estava ensopado e sua armadura de cavaleiro negra não passava de uma ruina enferrujada do que já fora. O ombro latejava, o que significava que a ombreira arrancada pela besta de pelos, fizera bem o trabalho. As últimas marcas do ataque dos lobos gigantes, haviam ficado no tecido do peito rasgado, revelando a malha de metal abaixo. Provavelmente não seria reconhecido como cavaleiro caso alguém o observasse vagando pelo salão como estava fazendo.
De algum modo, o garoto parecia apenas mais um elemento no local quieto demais enquanto caminhava por colunas tombadas procurando algo diferente da visão que tinha do ambiente iluminado. Seu colar não iluminava mais que alguns metros, dizendo para ele que a escuridão a sua volta poderia ser infinita. Foi quando jurou encontrar uma escada, na verdade um degrau entre milhares que subiam por um caminho desconhecido.
Parecia o caminho para aposentos luxuosos, onde a corte descansava em torres de marfim nos tempos antigos, mas o menino estacionou. A subida não parecia tão solitária quanto esperava, pelo menos não tão barulhenta quanto uma tropa de cavaleiros vestidos em roupas como ele.  A surpresa aos seus pés parecia medíocre, um caminho de antigos invasores deixados como sobra de algum ataque violento. Nos olhos dourados do menino, as armaduras lustrosas de cavaleiros nobres brilharam. Aos pés, dezenas de homens monstros há anos, jaziam já consumidos pelo tempo. O que quer que estivesse no final das escadas poderia ser o seu fim, e talvez sua liberdade daquele mundo.
O garoto caminhou, ignorando os muitos avisos que ficaram mais claros à cada corpo encontrado rasgado ao meio. Poucos metros à frente, ele estacionou no final das escadarias brancas de mármore, um local enfeitado de armaduras dilaceradas por algo, armaduras de todos os tipos e o cheiro que ele reconheceu como morte. Algo dizia que sua presença não havia sido a única naquela semana. O que estava ali provavelmente estivera por décadas alimentando-se de camponeses e cavaleiros idiotas o bastante para entrar naquele local.
“Veja, homens”
As vozes eram suas companheiras sempre. Sussurravam sempre sem nunca se cansarem.
“São homens bons”
“São almas boas”
De repente, o ambiente foi tomado por sons e vozes. Algo rangia acima do menino e ele balançou a cabeça cerrando os olhos.
“Almas boas, mortas por você”
“Assim como nós”
“Morra”
“CUIDADO”
“Era melhor ter morrido”
“SAIA DAI”
As vozes se intercalavam, as vozes de velhos rindo e aquela poderosa voz alertando sempre que possível, uma voz que pedia sangue quando necessário. A voz grave que silenciava as outras logo em seguida.
“PULE GAROTO”
Balmung.
“ESTA VINDO”
O menino não teve tempo, quando notou o alerta, escutou o ranger de algo e tudo apagou-se ante a dor que irradiou nas costas. A consciência havia sumido.

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