O garoto dos óculos

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De Ariane para Pippa (Cinderela)

Não aguento mais essa casa, essa mulher insuportável, esse garoto esnobe. Minha vida virou um inferno há dois anos quando meu pai morreu e deixou eu e meu irmãozinho com uma madrasta fútil. Para ajudar, ela tem um filho da minha idade, tão intragável quanto. Os dois só pensam em poder e dinheiro. E o pior é que, apesar de não ser mais criança, não posso ir embora porque minha herança só será liberada quando fizer 18 anos. Faltam ainda longos seis meses.

Assim que dia 25 de janeiro chegar vou pegar o Enzo e sumir daqui, já estou arrumando tudo com o advogado para ter sua guarda. Vamos morar em outro local. Ninguém merece ser humilhado o tempo todo e precisar mendigar para o básico sendo que grana é o que não falta para essa família. Patrícia centralizou toda nossa renda em suas mãos, e está afundando os negócios do meu pai em roupas e sapatos. Sorte que logo quem vai assumir a empresa sou eu.

Estou com Enzo e Dona Bete, nossa empregada, jantando na cozinha. Nunca mais fiz questão de participar das refeições na sala de estar. Aqui é muito mais aconchegante e próximo de familiar. Devoro tudo com gosto, nunca se sabe quando a louca inventa de não nos deixar comer.

- Rafa, você devia sair um pouco, menino. Nos últimos meses só faz estudar e cuidar do seu irmão. Você é jovem, precisa se divertir. - reclama Dona Bete.

- Não tenho tempo para isso, o único sair que quero é daqui. E o quanto antes!

- Você vai sair sim. Estou mandando. Eu fico com o Enzo hoje. Levo ele lá para o meu quarto, bem longe da megera. - ela diz e todos sorrimos do apelido carinhoso que demos para minha madrasta.

- Não sei se é uma boa ideia.

- Vai sim, irmão. Pega umas gatinhas. - Enzo entra na conversa me cutucando. Era só o que faltava!

- Como assim, moleque? E você lá tem idade para saber de gatinhas?

- Mas é claro que sim. Eu tenho namorada, a Gabi.

- Enzo, você tem seis anos menino. Sossega aí! - Dona Bete repreende séria. Eu caio na gargalhada. Só eles mesmo para me fazerem sorrir.

- Tá bom, vocês venceram. Vou ligar para o João e ver para onde podemos ir hoje.

Nunca fui muito de balada, na verdade eu odeio lugares com aglomeração e som de gosto duvidoso. Faço o tipo mais caseiro e nerd, com óculos de grau. Não me acho feio, sou até que popular na escola por fazer parte de uma banda de rock, mas passo longe do porte atlético. Sou magro e alto. É claro que já dei uns beijos e amassos por aí, só que nada sério até agora.

No telefone, João me fala sobre a festa de aniversário de uma menina da nossa sala que está acontecendo no clube do centro. Tinha até me esquecido disso. Tomo banho rapidamente e vou antes que desista da ideia. O videogame e os livros sempre chamam mais minha atenção.

Chego no local com meu amigo e faço uma anotação mental de não escutar Dona Bete da próxima vez. Enquanto João já se engraça do lado de uma loira gostosa, sim, ele faz parte dos atléticos, eu sento no barzinho e peço uma bebida. Adoro imaginar o que as pessoas pensam, então, começo meu jogo observando o salão cheio.

Meus olhos param vidrados em uma ruiva encostada na parede do outro lado da pista de dança. Meu Deus, como é linda! Até tento parar de encará-la com a boca aberta, mas não consigo. Tem os cabelos longos e vermelhos vivos. Pele bem clarinha. Olhos grandes. Está sorrindo com outra garota e parece que estou em outra dimensão.

Toda minha empolgação, entretanto, se esvai quando vejo uma mão conhecida tocá-la pela cintura. Ahhh não, que droga. Não acredito que ela conhece esse idiota. Pedro, o filho esnobe da megera, está falando em seu ouvido. A ruiva, porém, não parece animada com o grandalhão, que também faz parte dos atléticos, e tira as mãos dele de sua cintura. Isso, garota!

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora