O canto da sereia

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One shot de Wânia para Meg

— Você entendeu tudo, Ariel? — Úrsula, a maior feiticeira de todos os sete mares, perguntou a garota ruiva a sua frente. Era muita responsabilidade para alguém tão jovem, mas Ariel era a única esperança que eles tinham.
A jovem sereia assentiu e pegou o colar que a feiticeira lhe oferecia. A pequena joia em forma de caracol brilhou em sua mente e a menina sentiu o peso da sua missão. Eles só tinham uma chance, ela nunca tinha feito nada parecido, mas o destino do seu povo estava em suas mãos.
— Lembre-se que o seu pai não poder saber aonde você vai. Se o rei sonhar que eu envolvi você nessa história, ele vai cortar a minha cabeça.
— Não se preocupe, ninguém vai saber. Quando o meu pai perceber que saí do reino, eu já terei voltado com a missão cumprida.
— Preparada?
A garota assentiu e Úrsula conjurou o feitiço, transformando a cauda verde da garota em um repugnante par de pernas humanas. O processo foi um pouco demorado e extremamente doloroso, mas a princesa suportou com bravura. Logo depois, a feiticeira abriu um portal que levaria menina até a praia e lhe desejou boa sorte.
Num piscar de olhos, a menina estava em uma praia deserta, seu pequeno corpo coberto por um trapo encardido. Agradeceu a boa feiticeira por ter se preocupado com esse detalhe e avistou o majestoso castelo, que parecia ter sido esculpido no alto montanha que se erguia ao longe. Ia ser um longo caminho, ainda mais com aquelas pernas estúpidas!
Olhou para aquela parte estranha do seu corpo e, devagar, colocou o pé direito à frente. As pernas não lhe deram firmeza e ela já ia ao chão quando braços fortes a seguraram. A jovem virou-se e viu o homem de penetrantes olhos azuis que a feiticeira tinha lhe mostrado no espelho encantado. O príncipe Erick.
O jovem sorriu e Ariel não gostou da maneira que ele a olhou, fez seu sangue ferver, mas ela conseguiu se controlar, as palavras de Úrsula ecoavam em sua mente.
Seja doce. Conquiste a confiança do príncipe.
O príncipe perguntou seu nome e Ariel não respondeu. Ele lhe faz mais uma série de perguntas, mas ela se manteve calada, apenas meneando a cabeça para informar que não estava na machucada. O rapaz, então, a colocou em cima do animal que montava e eles foram para o castelo.
Ariel não ficou nem um pouco impressionada com a morada do príncipe, o castelo do seu pai, construído no fundo do oceano era muito mais suntuoso e magnífico, mas fingiu admiração e sua farsa agradou o príncipe.
O príncipe pediu a uma moça que levasse Ariel — que agora ele chamava de Diana depois achar que tinha ganho estúpido jogo de adivinhação feito durante o percurso até o castelo — e lhe ordenou que a criada providenciasse roupas adequadas para ela. Ariel não gostou do tom que o rapaz usou com a mocinha tímida, mas outra vez fingiu doçura. Quando a sua missão acabasse, o príncipe não falaria assim com mais ninguém.
Ariel foi levada para um quarto cheio de coisas estranhas e enfiada em um vestido rosa — arg, ela detestava essa cor! — e depois a moça a levou para uma sala na qual o príncipe a esperava para jantar. A sereia não gostou de nenhum dos pratos que lhe foi servido, mas conseguiu manter a compostura.
E assim foi se passando os dias no castelo. Durante as manhãs, Ariel levantava cedo e perambulava pelo castelo, à procura do cômodo que Úrsula tinha lhe mostrado no espelho mágico e, à noite, o príncipe retornava ao castelo e ceiava com ela. Ariel percebia que ele estava cada vez mais encantado por ela, mas era difícil induzi-lo a ajudá-la sem poder falar. O colar em seu pescoço pesava todos os dias, lembrando-a de que não poderia falar nada.
Já estava ficando sem tempo, quando encontrou um lance de escadas. Desceu por um caminho escuro e ouviu vozes abafadas. Esgueirando-se pelas paredes frias, viu dois homens montando guarda em uma porta grande de metal e passou a mão pelos cabelos ruivos que estavam presos em uma trança. Como ela ia fazer para passar por eles? Úrsula bem que poderia ter lhe ensinado alguns truques, mas elas não tiveram tempo.
— O que você está fazendo aqui, Diana? — o príncipe perguntou, aproximando-se por trás dela.
Pega de surpresa, Ariel não soube o que fazer e apenas deu de ombros, abrindo o seu mais lindo sorriso.
— Já que você está aqui, venha, quero lhe mostrar uma coisa.
O príncipe pousou a mão em sua cintura e Ariel teve que se controlar para não repelir o toque. Se o que procurava estivesse atrás daquela porta, essa era a última vez que ele a tocaria.
O príncipe abriu a grande porta e Ariel prendeu a respiração. Ela estava no lugar certo. Dentro daquela grande sala, havia grandes tanques de vidro, cheios de água. A câmara estava escura, mas ela não precisava de muita luz para saber o que tinha dentro daqueles aquários. Ali estava a sua família, seu povo, cada um dos sereianos que tinham sido levados pelos navios daquele príncipe maldito!
— Veja só o que eu descobri no mar, Diana!
Ele acendeu uma tocha e iluminou os aquários e ela pôde ver os semblantes do seu povo, a tristeza e a confusão estavam estampadas na cara de todos. O que a princesa estava fazendo ali? E porque ela se parecia com aquele humano? Onde estava sua calda?
— Eles não são magníficos, Diana? Quando eu os vi pela primeira vez, fiquei fascinado e disse para mim mesmo que precisava tê-los para mim! Gostou da minha coleção?
Aquela foi a gota d’água! O colar que Úrsula lhe deu começou a brilhar e Ariel finalmente soltou a sua voz, num grito que reverberou por todo o castelo, quebrando os tanques de vidro e explodindo a parede de pedra. A sala foi inundada pela água salgada e ela viu o príncipe de debater, tentando respirar. Através da parede em ruínas, era possível ver o mar, pertinho deles e um a um, os sereianos foram nadando, atravessando a abertura feita pelo grito da princesa e pulando para a liberdade.
Toda a água havia se esvaído e o príncipe, assim como os seus guardas, estava de joelhos, atordoado, os ouvidos sangrando. Ela se aproximou dele e desembainhou-lhe a espada. A arma era pesada, mas ela a segurou com firmeza e tocou o peito do príncipe com a ponta afiada.
— Você nunca mais vai aprisionar o meu povo! — E cravou a espada no peito dele, saboreando o momento em que a vida deixou aqueles olhos azuis.
Os guardas estavam tão perplexos que nem tentaram detê-la e Ariel, correu até o buraco na parede. Ainda em queda livre, arrancou o colar do pescoço e aquelas pernas horrendas se transformaram na sua linda cauda verde. Assim que tocou a água, livrou-se do vestido incômodo e sorriu para os sereianos que a esperavam.
Seu povo estava livre. Sua missão estava completa.

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