As aparências enganam

9 0 0
                                    

One de Laís para Rosie

A balada estava ótima. Rafael e Thiago se divertiam como nunca, enquanto pediam doses e mais doses de bebidas. Dois bobos alegres por natureza, é claro que tiveram suas capacidades cognitivas afetadas pela grande quantidade de álcool. Além disso, a intensidade dos sentimentos aumentava exponencialmente a cada gole de vodka. Uma piada sem graça era motivo das maiores gargalhadas possíveis, uma encarada inocente, virava uma briga em questão de segundos e, é claro, a mais desaventurada das moças, acabava por ter que aturar o papo chato daqueles dois.

Ao serem praticamente expulsos da balada quando o dia amanhecia, Rafael e Thiago não se deram por satisfeitos. A festa precisava continuar a qualquer custo, mas sem um tostão no bolso e àquela hora da manhã, não sobravam muitas opções.

– Vamos pra casa – sugeriu, um Thiago derrotado. – Passamos no mercado e compramos umas cervejas. Eu passo no vale alimentação.

Seguiram trôpegos até o supermercado mais próximo, mas o mesmo estava fechado. Tiveram que esperar na porta até a abertura do mesmo, escorando-se nos carrinhos de compra para que não caíssem no chão. Quando a funcionária mal humorada abriu as portas, os dois seguiram a passos rápidos até a geladeira, tentando fingir que não estavam completamente embriagados. É claro que somente na cabeça deles isso aconteceu, já que todos que estavam lá – para sorte deles, pouquíssimas pessoas – notaram o quão alterados eles estavam.

Depois de pegar uma caixa de cervejas, seguiram rindo e contando piadas, quando Rafael reparou numa linda morena lhe olhando do corredor.

– Olha ali, cara! - admirou-se. – Tem uma gostosa me encarando.

Ao virar-se para analisar a tal mulher, Thiago também se encantou com a mulher estonteante que sorria pra ele.

– Ela tá me dando mole, rapá! - comemorou, tentando disfarçar seu estado lastimável.

– Eu vi primeiro! - indignou-se o primeiro.

– Mas eu vou chegar nela primeiro.

Antes que Thiago pudesse colocar seu plano em ação, Rafael o puxou pelo braço e, já que suas capacidades motoras não estavam em sua totalidade, o tombo foi inevitável. Levantaram-se o mais rápido possível e morreram de vergonha ao notar que a bela mulher ainda olhava pra eles.

– Você não vai furar meu olho – rosnou Rafael, fazendo pose de lutador.

Sem se abalar, Thiago tomou sua postura e ficaram girando no meio da sessão de frutas, ambos com a guarda alta, mas sem desferir qualquer golpe que pudesse realmente afetar um ao outro. Deram alguns socos no ar, alguns chutes que quase o fizeram cair, mas nada grave.

Enquanto isso, o movimento do mercado que começava a crescer, aglomerava-se em volta dos dois bêbados que brigavam sem motivo aparente. O segurança separou a briga e quase os colocou para fora, mas avisou que mais uma gracinha e não seria tão caridoso.
Eles não poderiam sair do mercado sem a morena com eles. Sabe-se Deus se a encontrariam novamente em uma cidade grande como aquela. Não! Eles precisavam resolver esse impasse, antes que ela fosse embora.

Eis que uma menina apareceu na historia. Baixinha, sardenta e muito espertinha, puxou Rafael pelo braço, afastando-o do amigo.

– Por que vocês estavam brigando? - perguntou.

– Porque ele quer roubar a minha garota! - explicou, como se falasse com um adulto. - Eu vi ela primeiro. Ela é a mulher mais linda que eu já vi. Parece atriz de novela.

Ele estava realmente triste com a situação. Enquanto explicava, não tirava os olhos de Thiago, evitando que ele tomasse a frente na conquista daquela gata.

– Quem é a moça?

Ele apontou para o corredor e a menina precisou fazer um grande esforço para não rir na cara do bêbado. Com a cabeça trabalhando a mil, sorriu satisfeita.

– Eu tive uma ideia. Por que não deixam a moça escolher? - indagou, enquanto exibia um sorriso cheio de janelinhas. - Eu ajudo vocês a conquistarem ela e daí ela decide qual dos dois se sai melhor.

Com um sorriso iluminando seus rostos boêmios, ambos concordaram com a ideia da garotinha.

– Mas isso vai ter um preço, é claro – adiantou-se. - Dez reais de cada um.

Ambos reviraram os bolsos atrás de trocados, mas não encontraram nenhuma moedinha sequer.

– Eu só tenho o vale alimentação aqui – explicou, Thiago. - Pegue o Kinder Ovo ou seja lá o que crianças da sua idade gostam de comer, que eu pago.

– Eu também tenho o meu – sorriu, Rafael, com o cartão em mãos.

A menina sorridente correu até a prateleira dos doces e encheu sua cestinha com chocolates, pirulitos, balas e chicletes. Eles estavam tão decididos em conquistar a moça, que nem repararam que a compra deu muito mais do que vinte reais.

– E então? Como eu faço agora?

– É? Como?

Pensativa, a menina teve uma ideia.

– Abaixem-se aqui na minha frente – comandou e os rapazes obedeceram sem pestanejar.

Ela cuspiu na mão e passou nos cabelos deles, tentando arrumá-los da melhor forma possível. Por fim, colocou um Ferrero Rocher na mão de cada um e disse:

– Vão até lá e declarem-se. Mulheres amam declarações de amor.

Sentindo-se motivados, os rapazes seguiram a passos lentos até o corredor onde a moça estava. Ela permanecia no mesmo lugar, com o mesmo sorriso. Ah, como era linda!

– Você acredita em amor à primeira vista, gata? - indagou Thiago, aproximando-se cada vez mais.

– Não liga pra esse idiota. Eu te vi primeiro e me apaixonei com esse sorriso lindo – continuou, Rafael.

Então emendaram todo o seu almanaque de cantadas péssimas, metralhando a pobre moça com toda a sua deselegância e falta de bom senso. Mas, incrivelmente, a moça não parava de sorrir.

Ao tomar um pouco mais de coragem, Thiago tocou-lhe os ombros e então a moça caiu e, mesmo após a queda, o sorriso em sua face não se desfazia de jeito nenhum. Quando Rafael tentou ajudá-la a levantar, uma funcionária muito zangada apareceu, gritando nos corredores:

– Saiam daqui já seus bêbados idiotas, antes que destruam o totem da Ísis Valverde!

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora