Um menino de verdade?

18 5 11
                                    

One shot de Rebeca para Felipe

Ouvira desde criança que deveria ser um menino de verdade. Que menino de verdade não chora. Menino de verdade "pega" todas as meninas da escola. Menino de verdade não pode gostar de rosa, ou de lilás. Menino de verdade não pode gostar de boneca ou de brincar de casinha.

Morava apenas com seu pai, Gepeto, que nunca fez esse tipo de pressão, mas era isso o que mais escutava em toda sua vida. Da família, dos seus tios e tias, dos amigos, dos colegas de classe, de todos. De tanto ouvir repetidamente certas coisas, estava decidido a ser um menino de verdade. Estava determinado a ser aquilo que os outros diziam que ele deveria ser. Era seu primeiro dia de aula no ensino médio e estava preparado para ser o menino que sempre falaram que ele teria que ser.

Era uma escola nova, talvez fosse fácil, já que não havia muita gente conhecida. Ele mentiria e esconderia seus desejos mais íntimos. Esperava que assim todos o aceitassem e finalmente fosse visto como o menino que era. Desejava que cada vez que mentisse para os outros, e até para si mesmo, ninguém notasse. Torcia para que seu nariz não crescesse e delatasse suas mentiras.

Sentou em sua carteira e ansiava silenciosamente fazer alguns amigos em sua jornada.

- Oi!  - ouviu alguém dizer, com a voz doce e suave. Olhou e era uma garota muito bonita, de cabelos castanhos com as pontas azuis e olhos claros.  - Meu nome é Íris!

- Muito prazer, sou o Paolo! - respondeu ele, tímido. Pensou no quanto sua família iria amar se ele a apresentasse como namorada, se ao menos ele conseguisse sentir algo por ela que não fosse afeição e simpatia.

- Paolo, que nome diferente! Posso sentar aqui? - ela perguntou, apontando para a carteira ao lado da dele. Paolo assentiu com a cabeça e esperou junto à Íris, que a aula começasse.

Logo que ela se sentou, viu um garoto entrar, de cabelos castanhos e olhos verdes. Sentiu algo dentro de si, mas fechou os olhos e pensou: "seja um menino de verdade Paolo!"

- Íris!! Não acredito que estamos na mesma sala! - o garoto gritou enquanto Íris se levantava e dava um abraço forte nele.

- Oi Fred! - Ela respondeu - Esse é o Paolo, acabei de conhecê-lo!

Paolo se levantou, tímido e pegou na mão de Fred, nervoso. Aquele garoto era bonito demais para ficar perto de Paolo, pelo próprio bem dele, teria que se afastar.

Depois desse dia, apesar da frieza de Paolo com Fred, os três viraram grandes amigos. Íris era uma ótima amiga, que sempre estava lá. Sempre dando os melhores conselhos, mas Paolo não se abria facilmente. Tornou-se especialista em sua mentira e passou a mentir sobre o que sentia por Fred. Queria ser mais que um amigo. Desejava poder tocá-lo de maneira diferente. Queria beijá-lo.

Reprimia tanto esse desejo que às vezes era extremamente grosso com Fred e o magoara inúmeras vezes, mas a amizade sobrevivera por muito tempo, até que chegaram ao segundo ano do ensino médio.

Certo dia marcaram de fazer trabalho na casa de Paolo, mas Íris não pôde ir. Seu pai, Gepeto, estava na oficina mecânica, que ficava na garagem, e Fred e Paolo ficaram na sala.

Paolo fazia uma pesquisa no google e Fred fazia anotações sobre o trabalho.

- Anota aí:  - disse Paolo - A segunda guerra mundial foi de 1939 a 1945, envolvendo a maioria das nações do mundo, incluindo todas as grandes potências, organizadas em duas alianças militares opostas: os Aliados e o Eixo. Foi a guerra mais abrangente da história, com mais de 100 milhões de militares mobilizados.

- Espera aí Paolo, vai devagar, ainda estou anotando - retorquiu Fred, irritado

- Você é muito devagar, me dá licença! - Paolo respondeu, colocando o computador de lado e tomando o caderno de Fred com raiva. Estava nervoso por estarem sozinhos ali e não queria cair na tentação.

Fred lançou um olhar furioso para Paolo. Estava cansado, irritado e frustrado. Paolo sempre acabava com suas expectativas e Fred estava com muita raiva por continuar gostando dele, mesmo depois de tanta grosseria. Paolo afastava todas as suas tentativas de aproximação. Íris dizia que era só dar tempo ao tempo, e que logo Paolo daria vazão ao seu sentimento, mas Fred estava cansado de esperar.

Segurou Paolo nos braços, se colocando a centímetros do seu rosto, a respiração entrecortada de raiva, ansiedade e desejo. Olhou nos olhos de Paolo e disse:

- Chega. Estou cansado de ser tratado assim. Eu gosto de você Paolo. De verdade, mas não quero mais isso. Você precisa decidir se gosta de mim ou não.

Paolo engoliu seco e olhou nos olhos de Fred. Não conseguia mais resistir. Não conseguia mais mentir para si mesmo e decidiu, ali mesmo, que seria quem ele queria ser.

Paolo colocou as mãos no pescoço de Fred e o beijou. Fora seu primeiro beijo em um garoto e era algo libertador. Os lábios ávidos e macios de Fred alcançaram Paolo e sua língua preencheu sua boca. Não foi como tantas vezes Paolo imaginou que seria. Foi melhor.

Eles se beijaram intensamente e assim que pararam o beijo começaram a rir juntos. Era um riso de alívio, finalmente seriam mais que amigos.

Mas algo ainda incomodava Paolo. Ele não seria um menino de verdade como sempre quis ser, não seria como as pessoas queriam que ele fosse e tinha medo de seu pai o rejeitar por ser assim, tão diferente dos outros meninos.

No outro dia contaram animados a novidade à Íris, mas ela percebeu que ainda havia algo de errado com seu amigo Paolo. Ele disse a ela que tinha medo de contar a seu pai e queria ser livre por inteiro. Para isso, teria que contar a Gepeto e revelar quem era verdadeiramente.

Íris tentou acalmar Paolo e se ofereceu para ir junto falar com seu pai, mas ele recusou. Sabia que era algo que deveria fazer sozinho.

Chegou em casa naquele dia e seu pai estava trabalhando na oficina, como sempre. Paolo o chamou na sala e disse que queria conversar.

- Pai... - disse Paolo, ansioso, com as mãos suadas e o coração batendo acelerado. - Não sou e nunca vou ser um menino de verdade. Seu coração se apertava cada vez mais e o medo ameaçava tomá-lo.

Gepeto o olhou confuso e disse:

- Como assim? Não entendo filho!

- Eu gosto de garotos, quero namorar meninos e não meninas. Me desculpe  - e começou a chorar. Finalmente dizia aquilo em voz alta. Finalmente enfrentaria seu pai. Finalmente seria quem ele sempre quis ser.

Gepeto o abraçou e disse, também chorando:

- Filho, você é um menino de verdade! Sempre foi e sempre vai ser. Independente do que falarem, independente do que as pessoas dizem sobre o que é ser um menino de verdade. Você não precisa seguir os padrões para ser um menino, não precisa nem ser um menino se não quiser. Você pode ser quem quiser ser e eu te amarei para sempre. Te criei assim, te amo assim. Seja livre!

Paolo não conseguia dizer nada pois as lágrimas o preencheram por inteiro.

Sempre fora um menino de verdade.

Agradeceu mentalmente por ter um pai tão incrível e pela primeira vez, em muitos anos, se sentiu completamente livre e em paz.

Amigo Oculto LiterárioOnde histórias criam vida. Descubra agora