BORBOLETAS AZUIS

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One shot de Rebeca para Katlin.

Borboletas Azuis
Ametista morava com a mãe no campo. Amava tudo que vinha da natureza, mas sempre se perguntava por que viviam ali sozinhas. De qualquer forma, amava o contato com as águas do riacho que corria próximo à sua casa. Tinha prazer em colocar os pés na terra e correr pelo pomar em busca de alguma fruta diferente. Era apaixonada por aventuras e subia em todas as árvores que podia, sem medo de altura. Sem medo de seguir em frente. Era destemida. Porém o lugar que mais amava era o jardim.

Observava as flores que coloriam tudo e sentia-se agraciada por ter aquele contato tão próximo com as plantas. Mas algo a intrigava no jardim de sua mãe. As borboletas. Suas asas batiam sempre muito rápido e elas sempre apareciam quando sua mãe estava cuidando do jardim. As belas asas azuis de inúmeras borboletas voavam pelas flores e próximo à sua mãe, Jasmim, mas nunca pousavam em nada, nunca tocavam-na, nem mesmo tocavam Ametista, que adorava borboletas, mas também não tinha coragem de tocá-las.

Ouvira uma vez um lenda sobre uma tribo que havia morrido, algo que tinha a ver com as borboletas azuis, mas fora uma história contada por seu pai, que há muito tempo não vivia mais ali. Há muito tempo havia sumido sem explicação nenhuma, simplesmente desaparecera de suas vidas. Esperava um dia poder se lembrar do que se tratava a história, porém era muito nova quando a ouviu pela primeira vez e seu pai obviamente não voltaria.

Depois de ele ir embora, tudo o que se lembrava era de que existiam ela e sua mãe, mais ninguém. Seu maior medo era de perdê-la e às vezes, quando via as borboletas em volta de Jasmim, sentia algo estranho, um pressentimento terrível, porém logo passava e Ametista voltava a sentir tudo e todos ao redor, mas apenas com sentimentos bons.

Aos 13 anos, em certo dia foi buscar água no riacho para que sua mãe regasse as flores e soube em seu coração que aquele não era um bom dia. Quando estava voltando ao jardim viu que tudo estava em um silêncio aterrorizante. 

Chegou ao local em que sua mãe deveria estar e o que encontrou foi seu corpo caído, sua boca aberta com sangue escorrendo e borboletas. Muitas borboletas. Mas ao contrário do que elas faziam sempre, as borboletas estavam todas pousadas em Jasmim, como abutres, porém batendo as asas levemente.  Inúmeras borboletas azuis pousadas em sua mãe morta.

Sentiu um medo terrível e não sabia o que fazer. Não sabia se espantava todos aqueles insetos terríveis ou se esperava que eles saíssem de perto de sua mãe.  Queria dar a ela um enterro decente, cheio de flores, como ela gostaria que fosse, mas estava paralisada de medo e terror.

Foi o pior dia de sua vida. Chorou por horas e se sentiu desolada pelo que aconteceu. Teve medo, muito medo, mas seguiu em frente. Não percebeu como, nem quando, mas em meio ao seu choro as borboletas sumiram.

Viveu sozinha por alguns anos depois disso, mas era atormentada pela visão de borboletas. Sonhava que elas a perseguiam com suas asas azuis e sempre as enxergou como um mau agouro, porém nunca mais as vira no jardim, que aos poucos ia morrendo.

Até que um dia, quando tinha 18 anos, ele voltou. Seu pai. Rodeado de borboletas. Ametista temeu a morte, temeu a vida. Temeu que seu pai lhe trouxesse má sorte. Ficou apavorada, mas ao vê-lo ao longe, a caminho de sua casinha no campo, ao invés de correr, esperou.

Ele chegou com borboletas voando em volta de si, porém parou de repente e começou a falar:
— Oi querida Ametista
— Oi. O que faz aqui? – ela sentia raiva dele, porém não sabia ser rude. Era boa demais, assim como sua mãe.
— As borboletas me trouxeram.
Ametista ficou em silêncio, ainda sem entender.
—Soube que sua mãe se foi. – ele disse, com o olhar perdido no horizonte.
—Sim – respondeu ela.
—Filha, tenho algo para lhe contar. Você é um ser único. É descendente de uma longa geração de fadas azuis, que, disfarçadas de borboletas são responsáveis para cuidar e preservar nossos recursos naturais. Eu tentava te ensinar isso desde criança, porém sua mãe não queria que lhe colocasse esse fardo tão cedo, então me pediu para ir embora, não só por isso, mas me pediu para deixá-la porque queria me salvar. E eu fui. Fui um fraco. Deveria ter ficado e insistido com ela que você deveria saber.

Ametista se sentia estranha e diferente. Como se sempre soubesse daquilo e ao mesmo tempo como se a novidade tivesse lhe tirado um fardo de dor dos ombros. As borboletas não eram sua inimigas. Mas algo não fazia sentido.
— Se nossa missão é cuidar das riquezas naturais, por que minha mãe não queria que eu soubesse disso tão cedo? – Ametista perguntou, intrigada.
— Porque, assim como as borboletas, as fadas azuis tem um tempo determinado de vida, que dura muito pouco. Sua mãe até hoje é a que viveu mais e dizem que foi por você. Nenhuma fada azul havia tido uma filha, muito menos de um ser humano normal como eu. Elas achavam que isso iria matá-la, mas no fim das contas foi o que a fez viver por tanto tempo. Além disso, vocês têm em suas mãos não só o poder de vida, mas o poder da morte. Borboletas azuis matam qualquer pessoa que tocam, assim como um ser humano comum não pode conviver com uma fada azul por muito tempo sem morrer. É por isso que você vivia isolada aqui com sua mãe, sem relacionamento nenhum com o mundo exterior e esse também é um dos motivos pelos quais sua mãe me pediu para ir embora.

Ametista tinha sentimentos conflitantes. Ao mesmo tempo em que estava chocada e surpresa com aquilo, novamente sentiu como se ela sempre soubesse disso. Como se tivesse acordado de um sonho e estivesse descobrindo que o sonho era real. Era difícil de explicar o que sentia. Seus olhos ardiam e olhou em volta, percebendo que as borboletas voavam perto dela.

Não sentiu mais medo. Não sentia mais nada. Apenas ouvia. Parecia que cada uma daquelas borboletas sussurrava em seus ouvidos e também cantava canções desconhecidas.

— E por que elas não vieram antes?
— O bloqueio que sentia por elas criou uma barreira entre você e seus dons, entre você e a aproximação delas. Então elas vieram a mim. Chegou minha hora, filha. Convivi tempo demais com vocês. Minha missão era apenas lhe trazer a verdade e libertá-la para executar sua missão de vida. Você é forte, saiba disso, e ainda irá enfrentar muitas lutas em sua jornada, que não será mais aqui, isolada do resto do mundo.

As asas das borboletas começaram a bater rapidamente em volta dele.

—Me perdoe, por favor, por não ter ficado por mais tempo. Talvez se tivesse ficado teria morrido mais cedo, mas ao menos poderia ter aproveitado mais dias vendo seus olhos brilharem ao olhar para sua mãe. Talvez pudesse ter desfrutado de seu sorriso olhando as plantas do jardim e a sua gargalhada para mim, quando eu dissesse algo engraçado. Me perdoe, filha, mas saiba que eu te amei. Te amei ainda mais do que amei sua mãe, porque você é a prova de que mesmo com o risco de morte, o encontro de dois corações não pode ser impedido, e mesmo um ser humano comum e mortal como eu pode ter um encontro tão íntimo e sublime com uma fada azul sem necessariamente morrer no dia seguinte.

As borboletas pousaram nele e o pai de Ametista fechou os olhos.

—Tenho que ir.

Ametista abraçou seu pai o mais forte que pôde e sentiu o farfalhar das asas das borboletas se aquietar. Elas pousaram nos dois, mas apenas seu pai desfaleceu.

— Te amo pai.

E então ele se foi, mas ela se encontrou. Soube, naquele instante, que a mistura do sangue de sua mãe com o sangue de seu pai havia lhe feito mais forte. Mais ela mesma. Uma nova espécie de fada azul. E agora, ela nada ia temer. Entrou na casa acompanhada das borboletas e recolheu alguns pertences. Saiu da casa em que viveu por toda a sua vida até aquele momento, e, finalmente, teve coragem de ir embora.

Andou rumo ao pôr-do-sol , sem saber para onde ir e sem direção. Sem fazer ideia do que podia esperar por ela mundo afora, sem fazer ideia de quais eram seus dons por completo, mas certa de que sua jornada seria árdua, mas que valeria a pena, independentemente de quanto tempo durasse. Afinal descobriu enfim, que ela era uma borboleta, uma fada azul e humana ao mesmo tempo, e isso lhe reservaria ainda muitas aventuras inesperadas.

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