Ome shot de Caren para Daiane
Quem apanha nunca esquece, isso é fato.
As pessoas gostam muito de julgar, apontar o dedo na cara e dizer que a culpa é somente e inteiramente sua. Elas não procuram saber a história por trás do que aconteceu. É exatamente isso que acontece quando uma mulher é estuprada.
Dizem que isto aconteceu pela roupa que ela estava vestida, pelo seu comportamento ou classe social. E sabe o que dizem quando vêm uma mulher ou adolescente vestida com uma roupa colada ou curta : “Depois é estuprada e não sabe porquê”.
E quando isso acontece com uma criança ? É por conta da roupa também ? Ou pelo comportamento dela ?
Eu era só uma criança indefesa com uma mãe sem pulso firme e um padrasto violento que sentia prazer em abusar de crianças.
Às vezes acordo no meio da noite com medo de que aquele homem volte a fazer tudo o que fez comigo. As imagens de tudo o que sofri nas mãos daquele crápula cravaram em minha mente como as músicas do Luan Santana: é difícil de esquecer.
Quando eu tinha nove anos, sofria abuso quase todos os dias. Minha mãe apenas fechava os olhos e fingia que não via. Eu achava que ela sentia vergonha de denunciar e dos comentários que os vizinhos iriam fazer. Mas eu também temia que se minha mãe tomasse alguma providência, meu padrasto poderia batê-la. Por isso eu nunca me abri para ninguém em relação a isso. Durante o dia, eu sorria e brincava, levando a vida como uma criança normal. Àquelas horas que eu estava na escola, era como estar sem algemas. Mas quando eu voltava para casa e à noite chegava, era como se eu estivesse presa num cativeiro.
Durante anos eu achava que aquilo acontecia comigo porque eu estava fazendo algo de errados, já que era isso que aquele monstro me dizia.
– Por favor... não faz isso comigo. – Eu chorava, abraçada aos meus joelhos, com minhas costas apoiada na cabeceira da cama.
Os olhos dele emanavam luxúria e sua boca exibia um sorriso de satisfação, desejo. Como alguém poderia sentir prazer nas lágrimas, no medo e no corpo de uma criança ?
–Você é uma criança muito má, Mel. Seja uma boa menina e sente aqui. – Ele batia com a mão na coxa, fazendo um convite. – No colo do tio.
Quando fiz dezesseis anos, ele e minha mãe se separaram. Eu agradeci tanto aos céus que fiquei quase uma hora ajoelhada aos pés da cama, agradecendo por aquele castigo ter chegado ao fim. Foram os sete anos mais terríveis da minha vida. Eu até tinha medo de que ele voltasse, mas ele não voltou. Deve ter arranjado outra família, quem sabe.
Minha mãe nunca me perguntou como eu me sentia em relação a tudo o que aconteceu. Era como se o coração dela fosse uma pedra de gelo e os olhos, um quarto escuro.
Ela nunca me pediu desculpas por não ter feito nada para me ajudar ou me defender. E quando eu me pegava pensando nisso, chorava tanto que até as lágrimas me faltavam e meus soluços eram abafados pelo travesseiro. Era tão doloroso saber que a pessoa que te pôs no mundo não está nem aí para o seu sofrimento.
Chegou um momento em minha vida, que eu queria por um fim em tudo isso. Doía demais. Minha consciência me dizia que aquilo era o certo a se fazer. Mas Clara chegou em tempo. Ela percebia que eu ficava quieta demais na sala, não falava com ninguém e andava cabisbaixa.
Nunca contei a ela o que realmente aconteceu. Eu só dizia a ela que eram problemas com a minha mãe.
Ela foi o meu alicerce.
Em alguns meses, era como se nos conhecêssemos desde pequenas: uma ajudando à outra. Na presença dela,eu me sentia tão em paz, livre.
Mas eu não me sentia à vontade para deixar que os garotos se aproximassem de mim. Quando algum homem toca em mim mais que superficialmente, me sinto violada. É como se quisessem me fazer algum mal. Por mais que eu tente lutar contra, é mais forte que eu. Simplesmente não consigo.
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Amigo Oculto Literário
Short StorySorteio entre amigos do grupo do Whatsapp ajudando escritores, em que cada participante recebe em sigilo o nome de outro a quem deve presentear com uma one shot.