Capítulo 70: Sangue

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Paula ficou estática na porta do banheiro, absolutamente sem reação. Era uma cena de filmes de terror. Anabela jazia deitada no chão de cerâmica branca, em posição fetal, usando apenas uma blusa, com a parte de baixo encharcada de sangue. Coxas e cerâmica ensanguentadas, como em uma cena de crime. Mas ela estava viva, pálida como uma folha de papel, agonizando de dor.

— Bella... — Paula saiu do transe e se agachou para tentar erguer a amiga, que estava com a pele gelada. — Você perdeu sangue demais!

— Eu não sabia que ia ser assim. Na internet dizia que... — ganiu de dor. — Cara, estão esfregando uma lixa de pregos em meu útero. Essas cólicas são excruciantes!

— Precisamos ir ao médico!

— Não! De jeito nenhum!

— Isso é hemorragia séria, você pode morrer!

— Prefiro morrer do que deixar que meu pai descubra.

— Ele não vai descobrir.

— Vai. Ele paga meu plano de saúde. Ele sempre checa que exames eu fiz, pra me acompanhar de longe. Ele vai saber.

— Mas de qualquer forma você vai precisar fazer a curetagem.

Paula havia lido a respeito. Após o aborto, restos do feto ainda podem ficar no útero e com o tempo infeccionar. Era preciso curetar, fazer uma raspagem ou sucção, o que só era possível no hospital.

— Eu vou fazer a curetagem, mas não agora. Se for assim para o hospital vão fazer exames de sangue e detectar o remédio. Vão saber que não foi espontâneo.

— Mas e seu sangramento?

— Parei de sangrar. Saiu uns coágulos grossos, acho que era o feto. Só que ainda dói...

— Então vamos levantar do chão. Vou te ajudar a se lavar.

Paula ajudou-a a levantar e a colocou sob o chuveiro, esfregando o sangue das coxas com sabonete. Auxiliou-a a se enxugar e em seguida guiou-a até a cama.

— Tem absorvente?

— Na segunda gaveta — apontou.

Paula colocou o absorvente na calcinha e ajudou a vesti-la. Trouxe-lhe água, acomodou-a na cama e foi à cozinha preparar uma sopa. Alguns minutos depois retornava com o prato cheio e uma colher.

— Não quero comer nada.

— Tem que comer. Se não se alimentar não vai ter forças pra repor o sangue que perdeu.

A contragosto, tomou colher após colher. Comeu metade, apenas.

— Não suporto mais, senão vomito tudo.

Após guardar o prato, Paula deitou-se ao lado de Anabela, abraçando-a por trás, de conchinha.

— Está liberando ocitocina — Anabela comentou com a voz fraca e rouca. — A dor está diminuindo...

Adormeceu após alguns minutos de silêncio entre as duas. Paula continuou abraçada a ela, mas estava bem acordada. Sentia-se culpada, remoendo as palavras de Devassa. Assassina. Matara uma criança e quase matara a melhor amiga. O peso da culpa a corroía.

Levantou-se com cuidado, foi ao banheiro e lavou o sangue do chão. Aproveitou que estava sozinha e se permitiu chorar.


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Ninguém é de ferro. Nem você, Paula.

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