Capítulo 158: Dilema

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Sara parou de falar, fechando os olhos; a imagem em sua mente deveria ser perturbadora. Paula estava com um entalo horrível na garganta. Conseguira visualizar tudo o que Devassa havia narrado, a cada tortuosa descrição. Quis chorar, mas os sentimentos que a possuíam eram controversos, dividindo espaço em sua mente conturbada pelo que tentava digerir, deixando-a com náuseas. Olhou para a porta do que deduziu ser o banheiro.

— Só um minuto. Posso usar... — apontou.

— Claro.

Paula andou até o banheiro, fechou a porta atrás de si, levantou a tampa do vaso e vomitou. Entendeu o porquê do rosto da garota nos quadros ser familiar. Lembrava vagamente o de Iguana. A menina em todos os quadros na parede era filha de Iguana. A mente de Paula fez uma rápida retrospectiva: como era possível que Devassa não o tivesse visto na noite dos julgamentos dos vídeos?

Foi quando teve uma súbita epifania.

Sara havia momentos antes saído da sede, pois sua filha havia tido uma crise alérgica. O ceticismo de Paula não deixava que ela acreditasse em coincidências. As coisas se encaixavam de forma diabólica, embora faltassem muitas peças para o quebra-cabeça. Iguana nos desafios, Sara saindo antes de ver o vídeo dele... Era uma espécie de jogo doentio? O Clube havia arquitetado tudo? Com que propósito? A filha de Sara quase havia morrido, e não fora um acidente. A ideia do Clube atentando contra a vida de uma criança era perturbadora. Deu descarga, lavou o rosto na pia, olhando-se no reflexo do espelho. Voltou ao quarto.

— Desculpa. Eu... Isso que você disse foi horrível. Então eles...

— Quebraram as duas mãos dele — a dor no olhar de Sara era quase palpável. — Seguraram ele e usaram uma marreta para quebrar os ossos. E depois, Iguana ordenou que nos deixassem em um hospital. Era tarde demais. Não tinha como salvar as mãos. Precisaria de inúmeras cirurgias, ficaria com pinos nas mãos... Jamais conseguiria desenhar ou tocar novamente. Voltou para casa com as mãos engessadas, incapaz de realizar qualquer tarefa sozinho — fez outra pausa dolorosa. — Sabe qual o pior? Eu tinha tido aulas de defesa pessoal, Krav Maga... Mas não consegui fazer nada. Fiquei imóvel, incapaz de...

— O que podia fazer? Eram quatro, estavam armados. Não conseguiria derrubar todos e fugir ilesa. Talvez só piorasse...

— É... — Sara enxugou as lágrimas.

— Vocês foram à polícia?

— Eu quis. Leandro deixou claro que não devíamos. Tinha medo de nos sequestrarem de novo. E Iguana parece ser o tipo que compra a polícia. Não. Tive que ser forte para que ele não ficasse pior ainda. Mas era o fim. Eu não podia ir trabalhar e deixá-lo sozinho. Não podia cantar sem ele tocar, virei a babá dele, e isso partiu minha alma. Voltamos a passar necessidades. Então ele passou a implorar que eu voltasse pra casa dos meus pais. Disse que era a melhor coisa a fazer. Até parece que eu voltaria à casa daquele filho da puta que me deixou pra morrer. Não. Eu ficaria com Leandro até o fim. Então veio a notícia que nos desmoronou de vez. Eu estava grávida — Paula fingiu surpresa. Já havia deduzido isso. — Disse que iria tirar. Eu não daria à luz o filho daquele demônio. Eu seria capaz de esperar que ele nascesse pra estrangulá-lo... Mas Leandro me impediu. Disse que era uma vida, que não tinha culpa. Lembrou-me do irmão dele, que havia nascido com uma má formação e não havia sobrevivido. Disse que os pais haviam tentado abortar tomando pílulas e chás. A criança nasceu e morreu quase um ano depois, sem nunca ter saído da UTI. Disse que eu devia ter a criança, por ele. E voltar pra casa dos meus pais. Ele era muito burro mesmo. Meu pai me aceitando em casa com um bebê? Nem eu queria. Preferia morrer na rua. Não foi uma decisão fácil. Eu também não tinha o dinheiro para comprar as pílulas, que eram muito caras pra nossa realidade. E era ilegal, difícil encontrar alguém que vendesse. Hoje deve ser mais fácil, não é?

Paula sentiu a alfinetada, mas entendeu enfim o porquê de Sara ter se revoltado tanto ao saber que ela estava comprando as pílulas para uma amiga abortar.

— Resolvi que teria o bebê e daria para adoção. Eu não conseguia conceber a ideia de viver com o sangue do sangue... Bem, quer saber o que aconteceu com Leandro? Não quero entediar você pra sempre.

— Fale tudo que tem pra falar.

— Leandro entrou em depressão. Passamos fome. Estava com um mês de grávida quando ele tentou suicídio pela primeira vez. Mordeu a língua, mas eu consegui socorrê-lo a tempo. Ele implorou pra que eu deixasse ele morrer. Eu não iria, nunca. Mas entendia o lado dele. Eu mesma queria morrer, imagine ele. Não tinha mais o instrumento de trabalho, que eram as mãos; eram o que o tornavam especial, eram seus talentos. Tornou-se dependente, sentiu-se inútil... Então ele tentou de novo. As opções de um suicida ficam bem restritas quando não se tem as mãos — deu um meio sorriso. — Então certo dia ele saiu de casa sozinho, foi caminhando pelas ruas, e se jogou na frente de um carro.

Paula levou a mão à boca.

— Nossa! Eu sinto muito, de verdade...

— Mas não morreu — as palavras pareciam entaladas na garganta de Sara. — Ficou tetraplégico. Acredita nisso? Virou um vegetal — desabou a chorar. Paula a abraçou. Ficaram assim por alguns minutos. Paula sentia o peito umedecer pelas lágrimas que escorriam de Devassa. Acariciou as madeixas loiras, ao som dos prantos.

— É melhor não falar mais nada — Paula não queria mais deixá-la se torturar ao reviver aquilo. Para ela, bastava.

Sara assentiu. Não estava bem.

— Quem diria que eu iria abrir meu coração justo pra você.

— O coração e as pernas — Paula deu um sorriso triste, tentando descontrair um pouco.

Paula deitou-se abraçando Sara de conchinha. Ficaram em silêncio, cada uma presa em seus próprios pensamentos. Feiticeira estava no maior dilema de sua vida. Devia dizer de uma vez que conhecia Iguana e que tinha como contatá-lo? Apesar de ter uma imagem diferente do criminoso, não o conhecia, não podia dizer que ele era incapaz de fazer o que Sara havia contado.

Então por que não contava logo?

E se não contasse? E se Devassa descobrisse depois?

Pensou em Nayuri. Nayuri havia visto Iguana. Se ela e Sara conversassem e a conversa chegasse a uma descrição... Sara de repente já não parecia mais tão selvagem e implacável. O que estava ali, em seus braços, era uma garota com um passado traumatizante. Ela merecia ter sua vingança.

Mas Iguana era perigoso, podia matá-la. Matar às duas.

Vamos, Paula. Ele é só um cara que te fez gozar. É um estuprador, um filho da puta!

Começou a sentir dor de cabeça. Tinha que tomar uma decisão. E logo.


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E você, o que acha que Paula deve fazer?

A história está chegando ao fim!

Indiquem pros seus amigos, vamos levar Clube Proibido a mais pessoas!


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