Capítulo 164: Confiança (parte 6)

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Jacó voltou da padaria com um saco de pães. Deixou as chinelas fora, como era a regra da casa, e entrou descalço. Maria, esposa de Libório, estava assistindo TV na sala.

— Tudo quentinho! Pra gente lanchar com queijo e mortadela.

— Oba! — Maria deu um meio sorriso. Jacó sabia que ela não estava gostando das visitas prolongadas, mas não podia ir embora ainda. A estadia ali estava sendo extremamente desconfortável, especialmente quando Libório não estava presente; o velho havia ido a uma consulta com o filho.

— Cadê a Miranda? — perguntou ele olhando para o corredor. Quando saíra para a padaria, as duas estavam na sala.

— Saiu. Disse que ia dar uma passada na casa de vocês, ver como andam as reformas.

Embora Libório soubesse a verdade, Jacó e Miranda contaram uma mentira a Maria; disseram que a casa estava em obras e por isso precisavam de um lugar para ficar.

— Como assim? Não fica perto daqui. Ela foi de quê?

— Chamou um Uber.

Jacó não sabia como usar aplicativos de motoristas, mas Miranda era mais antenada com relação a tecnologias. Sentiu um aperto no velho coração. Miranda não podia ir lá, muito menos sozinha! Apesar de estar em plena luz do sol, ainda havia perigo. A neta não seria tão enfática se não fosse verdade. Mas sabia que cedo ou tarde ia acontecer; sua esposa não aguentava mais incomodar, queria voltar para casa.

— Preciso ir atrás dela. Posso usar seu telefone?

— Pode sim — Maria apontou para o fixo sobre uma mesinha.

Jacó andou até ele e o retirou do gancho.

— Sabe algum número de táxi? Não dá pra chamar Uber pelo fixo. Uma falha deles, não é?

— Tem um cartão em cima da estante — apontou.

Jacó pegou o número e solicitou uma viatura de táxi. Suas mãos suavam. Minutos depois, o veículo estava diante da residência. Jacó deu o endereço ao motorista e pediu para que ele fosse o mais rápido possível. Infelizmente ficaram presos em um engarrafamento.

— Maldita São Paulo. Não tem como dar a volta?

— Só se o táxi voasse, meu senhor.

— Diabo ignorante. Por isso todo mundo prefere Uber.

— Por que não pegou um então?

— Só porque não tenho celular. E pare de me desacatar que sou general do exército aposentado.

— Com esse monte de tatuagens nos braços?

— Vou te denunciar por preconceito e maus tratos ao idoso!

Foi o jeito esperar quase meia hora para sair da estrada e pegar outra via. Quando finalmente chegou ao sobrado, pagou resmungando e correu em direção à porta. Percebeu que o carro de Paula não estava mais lá. Levou a mão para segurar o trinco, mas estacou, percebendo que estava aberta.

— Miranda? Minha velha?

Entrou cauteloso, ligando a luz da sala. Silêncio.

— Miranda! — suas pernas estavam trêmulas, o coração acelerado, a respiração ofegante. Rezou para não infartar.

Deu mais alguns passos, então viu o que havia na parede.

Empalideceu.

Era uma folha de papel fincada por uma faca no detalhe de gesso na parede. Aproximou-se com as pernas bambas para ler a mensagem:

ESTOU COM SUA AVÓ. VENHA BUSCÁ-LA NO CEMITÉRIO DE TRENS NA LAPA. VENHA SOZINHA, E NÃO CHAME A POLÍCIA, CASO CONTRÁRIO ENFIO UMA BALA NA CABEÇA DELA. VOCÊ SABE QUE NÃO TENHO NADA A PERDER.

Jacó arregalou os olhos. Teve uma súbita queda de pressão.

— Ai meu Deus... Miranda!

Levou a mão ao peito, sentiu-se tonto e cambaleou. Nem mesmo tinha o telefone de Paula, nem como ligar para ela; era sempre Miranda quem ligava e atendia às ligações. Se algo acontecesse à sua amada, ele morreria. Correu até o telefone fixo, mas havia se esquecido do número de táxi. Bateu a mão na testa. Não era nada sem Miranda!

Pensa, velho! Pensa!

Correu até a rua. Olhou para os lados, desesperado. Não tinha a quem recorrer. Lembrou-se de Antunes. Ele morava a algumas quadras dali. Atravessou a rua correndo, perdendo o fôlego rápido demais. Algumas pessoas o viam correr, preocupadas, mas ninguém o parou para oferecer ajuda. Seu corpo quis parar, já sentindo falta de oxigênio, mas não se permitiu. Um motoqueiro passou por ele, deu a volta e parou ao seu lado.

— O senhor está bem?

— Preciso de uma carona. Aqui pertinho.

— Suba.

Jacó conseguiu respirar um pouco enquanto dava as direções ao bom samaritano.

— Obrigado, rapaz — disse ao descer da moto, já correndo para a porta da casa de Antunes, que era murada.

Bateu no portão várias vezes, com força.

— Antunes!

Olhou para o lado, viu a campainha. Tocou-a.

— Já vai! — ouviu o grito lá de dentro.

O portão foi aberto automaticamente por controle remoto.

Jacó entrou, esbaforido e suado.

— Pelo amor de Deus, o que aconteceu, homem? — disse Antunes esfregando os olhos, tinha acabado de acordar do sono da tarde.

— Preciso da sua ajuda! Sequestraram a Miranda!

— O quê?

— Não tenho tempo. Preciso ir resgatar minha velha!

— Calma! Respira! Vamos chamar a polícia!

— Nada de polícia! Eles vão matar ela se a polícia for.

— E você quer ir sozinho? Nem a pau! Onde ela está?

— No cemitério de trens da lapa. Não sei onde é.

— A gente acha. Espera um pouco — voltou correndo para dentro de casa.

Jacó respirou um pouco mais tranquilo. Antunes era policial federal aposentado. Ele sim, podia ajudar. Menos de um minuto depois, o idoso retornava com a chave do carro estacionado ao lado de Jacó, uma pistola e uma escopeta.

— Sabe atirar? — disse entregando-lhe a pistola. — É uma Glock G 17.

Jacó pegou a escopeta das mãos dele.

— Eu quero essa.

— É uma Franchi SPAS-15. Melhor eu ficar com ela.

— Me ensina a usar enquanto dirige. Eu vou resgatar minha velha em grande estilo — disse segurando a arma com as duas mãos encostada ao peito.

— Você está parecendo uma versão magra e idosa do Rambo.

Os dois entraram no carro. O portão abriu-se e fechou-se, controlado por controle remoto. O carro partiu em alta velocidade, rumo ao resgate.

Ou à morte.

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Desculpem, mas a história se conta sozinha. Não posso garantir que os velhinhos vão sobreviver...

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