Capítulo 109: Pais

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Devassa havia ultrapassado pelo menos dois sinais vermelhos em seu caminho para o hospital. Só não dirigiu mais rápido porque a polícia iria atrapalhá-la e tudo que ela queria era chegar até a filha. Atravessou um largo corredor em direção à ala da UTI. Dois rostos conhecidos e preocupados a aguardavam.

— Onde ela está? — Sara perguntou com urgência na voz.

— Não pode entrar — disse a mulher de pele bronzeada e roupas finas. Tinha cabelos castanhos em um penteado caprichado; devia ter dez anos a mais que Sara. Embora não fosse bonita era extremamente elegante — Nenhum de nós pode.

— O que houve com ela? — Sara suava frio. Havia em sua face uma mistura de raiva e desespero. — Falem de uma vez!

— Como eu disse ao telefone — começou o acompanhante da mulher fina. Alto e magro, de cavanhaque. Tinha meia idade e olhos azuis marcantes. —, ela sofreu anafilaxia.

Sara sabia que Samantha apresentava diversas alergias. Anafilaxia era uma reação alérgica grave. O rosto de Devassa ficou vermelho. Era possível ver as veias aparecendo em seu pescoço. O homem apressou-se a continuar:

— Não sabemos ainda o que causou o ataque, mas garanto que Marília e eu sempre tomamos cuidados especiais com Samantha.

— Tem certeza? — Sara alterou a voz. — Como a piranha que vocês contrataram para tomar conta dela?

— Abaixe o tom, querida — A mulher chamada Marília pediu com a voz calma. — O que Marcos quer dizer é que nunca permitimos que Samantha recebesse os medicamentos que ela tem alergia. Jamais! Qualquer visitinha ao médico e várias vezes a lista é repetida. Samantha deve ter sido picada por algum inseto.

— Estava em casa quando começou a apresentar inchaços no rosto e dificuldades pra respirar — disse Marcos passando as mãos nos cabelos. — Foi horrível!

Os olhos de Sara estavam marejados, embargados e fúria.

— Eu confiei minha filha a vocês... — disse entredentes, tentando conter uma explosão.

— Já tivemos esta conversa, Sara — Marília a cortou com o queixo reto e tom mais grave. — Samantha tem do bom e do melhor e agora ela é minha filha. Minha e do Marcos. Você é a tia distante e ponto final.

— Vocês vão deixar minha filha morrer, seus desgraçados!

— Mais uma vez, baixe o tom. Nós salvamos sua filha, justamente porque você não foi capaz.

Sara deu um passo para avançar em Marília, mas Marcos se pôs entre as duas.

— Sara, por favor! Isto é um hospital! Parem as duas imediatamente. Pela Samantha!

Sara recuou, respirando fundo, passando as mãos pelos cabelos dourados. Fechou os olhos.

— Se continuar agindo com essa violência, vou proibir você de se aproximar dela — Marília disse com o mesmo tom calmo.

— Não se atreva — Devassa rosnou.

— Não preciso lembrar você de que tenho poder pra isso, não é? Quando trouxe ela a nós o trato era de não se aproximar. Anos depois permitimos, por pura pena, que você a conhecesse. Mas foi só. Se quiser continuar perto dela, é melhor mudar seu comportamento.

— Ela é minha filha... — Sara tentava conter o choro, mas era doloroso demais.

— Foi você que a trouxe até nós — Marília a lembrou. — Você nos deu Samantha. E se certificou que caso um dia mudasse de ideia, ela não voltaria a ser sua.

Sara enxugou as lágrimas com uma expressão de ódio contido. Engoliu o orgulho, olhou Marília nos olhos.

— Não mudei de ideia. Mas se minha filha morrer, vocês morrem. Eu juro que mato os dois.

Marcos estremeceu. Conhecia o temperamento de Sara. Sabia que ela seria capaz de atrocidades por sua filha.

— Não se preocupe, Sara — ele falou com uma voz mais compassiva que a da esposa. — Vamos tomar todos os cuidados para que nada aconteça a ela. Amamos a Samantha.

— Demitam aquela vadia.

— A babá?

— Isso.

— Isso será providenciado — ele prometeu.

— E coloquem alguém responsável no lugar.

— Pode deixar.

— Agora que os nervos estão mais aplacados — disse Marília. — Vamos conversar civilizadamente sobre a situação de saúde de Samantha. Pode ser, querida?

Sara nada respondeu. Manteve o olhar naquela mulher com o ódio que um cão raivoso olha para um gato. Iria reverter aquela situação um dia, e esfregar aquele rostinho convencido no asfalto.


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Tenho é pena deles

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