Capítulo 119: Uma arma

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Onze anos atrás

— Aconteceu alguma coisa, filha?

A voz de Fabrizio era casual.

— Não — Sara comia em silêncio com a face inexpressiva.

— E esses olhos vermelhos? — foi Sandra quem perguntou.

Sara não respondeu.

— Eu fiz uma pergunta, Sara.

— Eu não sei — falou rispidamente. — Talvez tenha começado a usar drogas.

— Sara! — Fabrizio bateu o garfo na mesa. — Olhe como fala com sua mãe.

— Sinto muito — Sara levantou-se com a mesma inexpressividade, deixando o prato sobre a mesa.

— Aonde vai, garota?

— Perdi a fome — disse ela subindo as escadas.

Sandra lançou um olhar acusativo ao marido.

— O que você fez, Fabrizio? — murmurou.

— O que eu sempre faço. Protegi minha família.

— O garoto... — Sandra arrepiou-se.

— Ele está bem. Eu não sujaria minhas mãos por um moleque qualquer. E além do mais, não quero minha filha de luto. Quero-a como está, com raiva, com a semente do ódio enraizada no coração.

— Credo! Deseja isso para a própria filha?

— Se isso for protegê-la, sim. O melhor escudo é a espada.

Na segunda-feira a dor no peito de Sara ainda não havia sumido. Nem o ódio que sentia. Nem a mágoa. Leandro não havia nem ao menos se dado ao trabalho de aparecer para inventar uma desculpa? Havia sumido assim, tão covardemente? Claro que ele não se atreveria a ir até a casa dela, talvez esperasse até o fim de semana acabar, para encontrá-la na saída da escola. Leandro não tinha celular, dizia que não precisava de nada além de seu violão. Era uma das coisas que ela amava nele. Sentia nojo de si mesma por ter se deixado enganar. Ainda bem que havia mostrado quem era antes que ela houvesse se entregado a ele. Menos mal. Só queria que aquele veneno todo parasse de amargar em sua língua.

Ficou distante das amigas. Não queria que perguntassem o que ela tinha, ou que fizessem gracinhas sobre ela e Leandro. Elas sabiam, todos sabiam. E todos ririam dela por suas costas quando soubessem que ele a havia enganado. Aliás, ninguém sabia que os dois não haviam tido relações sexuais, mas com certeza imaginavam que sim. O pensamento a deixou ainda mais revoltada. Durante o intervalo Helena tentou se aproximar, disse que precisava conversar com ela, mas Sara alegou não estar se sentindo bem e se afastou, passando o resto do intervalo no banheiro.

A aula acabou. Esperou as amigas saírem antes de pôr os pés fora da escola. Não sabia como reagiria quando ele a abordasse. E não queria um show com plateia. Seus pais estavam certos. Amar havia sido uma burrice. E jamais se repetiria. Saiu finalmente, olhando para o chão por todo o percurso da praça, com a sensação iminente de que ouviria a voz dele.

Não aconteceu.

Ao fim da praça olhou para trás, para as dezenas de pessoas que estavam ali. Ele realmente havia ido embora. Jeniffer e as outras estavam na sorveteria, como robôs que sempre cumpriam a mesma tarefa diariamente. Sentiu dor de cabeça. Não queria ir para casa, não queria ficar na praça, queria simplesmente sumir. Maldito Leandro.

— Sara!

Enfim uma voz chamou seu nome, mas não a esperada. Era Helena.

Sara virou-se para a amiga que viera correndo da sorveteria.

— Você não vai sentar com a gente hoje?

— Não. Dor de cabeça.

— Tentei falar com você no intervalo, mas você disse que não estava bem. Não encontrei você na saída. Queria falar em particular, longe das meninas.

— Eu realmente não estou com cabeça, Helena.

— Então você já deve estar sabendo...

Sara franziu o cenho.

— Sabendo de quê?

— Meu tio Jorge é amigo do pai da Valéria. Sabe, a de cabelo encaracolado, do segundo ano?

Valéria era amiga de Helena, não de Sara.

— E daí?

— Meu tio é solteiro, ele frequenta os puteiros daqui. Gasta o dinheiro dele quase todo com cachaça e putas.

Ouvir a palavra puteiro deixou Sara alerta. Helena olhou ao redor, antes de continuar:

— Tio Jorge contou uma coisa ao pai da Valéria e ela ouviu... — Helena falava com cautela, como se escolhesse as palavras.

— Eu sei o que ele disse — Sara falou com um nó na garganta. — Ele viu Leandro no puteiro, não foi?

— Não — Helena balançou a cabeça com a testa franzida. — Desculpa ter que te dar essa notícia, Sara, mas pequena como essa cidade é, logo você vai ficar sabendo de um jeito ou de outro. Acho que todo mundo deve estar comentando nas suas costas.

Não era Leandro? Sara estava confusa.

— Então o que ele disse?

Helena respirou fundo, pegou na mão da amiga, apertando-a.

— Ele viu uma das putas entrando no carro de seu pai — disse de supetão, avaliando como Sara reagiria.

— Meu pai?

— Sim. Nossa, desculpa, Sara, mas é...

— Onde? — Sara a interrompeu retraindo a mão que a outra segurava. — Em frente ao puteiro?

— Não... Foi assim... Ele estava voltando do puteiro e a casa de uma delas putas fica no caminho dele — ela falava rápido, tropeçado nas palavras. — Ele disse que o carro de seu pai estava estacionado em algum lugar entre a casa dela e o puteiro. Tio Jorge viu a puta caminhando bem diante dele, e ele a conhecia. Ia chamar ela, se oferecer pra acompanhá-la até sua casa, mas reconheceu o carrão do seu pai baixando o vidro e ela indo em direção a ele. Tio Jorge disse que se escondeu e viu ela encostada à janela do carro, e logo em seguida dando a volta e entrando.

Sara não prestou atenção em quase nada. Estava cega. Estava surda. Estava sendo consumida pelo ódio. Juntou rapidamente as peças do quebra-cabeça. tudo fez sentido de uma forma maquiavélica, cruel, doentia. Uma enxurrada de sentimentos a afogavam. Seu pai era um monstro, mas seria Leandro inocente? E as fotos que havia visto? Era ele, tinha certeza. E por que havia sumido? Suborno? As perguntas vinham todas de uma vez. Sara sentiu uma leve tontura, seguida por uma repentina ânsia de vômito.

— Sara?

Sara olhou para o rosto preocupado de Helena, provavelmente arrependida de ter aberto o bico. Era tarde demais. Deu-lhe as costas, rumo à sua casa. Helena ficou parada vendo-a caminhar e... Parar repentinamente, ficar alguns segundos parada, pensativa, então dar meia-volta. Voltou à praça, passando por Helena como se ela fosse invisível.

— Aonde você vai, Sara?

— À escola.

— Escola? Esqueceu alguma coisa?

Sara não respondeu.

Antes de confrontar seu pai, precisava ter certeza. E para isso, precisava de uma arma.

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