Capítulo 53: Yoko

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Nayuri acordou com o cabelo sendo mastigado por Yoko, como toda manhã.

— Bom dia pra você também, Yoko — disse com a voz rouca e grogue, pegando a gata e colocando na barriga. Olhou para o despertador sobre o criado-mudo. Faltava meia hora ainda para o alarme disparar, mas resolveu levantar de uma vez. Cambaleou até o banheiro e escovou os dentes. Após o banho, estava completamente desperta, com modo felicidade ON.

— Vem, sua chatinha — ligou a torneira da pia e Yoko imediatamente subiu nela, bebendo a água corrente. Era uma gata grande e preta, cujas banhas balançavam quando ela caminhava.

O apartamento era pequeno, mas luxuoso. Como morava sozinha, Nayuri queria o mínimo de trabalho, já que passava maior parte do dia fora, mas o máximo de conforto. O condomínio em que morava ficava em uma zona nobre da capital. A decoração em geral remetia à cultura pop coreana. Embora seu codinome e apelido na faculdade fosse Japa, Nayuri era descendente de coreanos. O pai mudara-se para o Brasil dois anos antes de ela nascer, casando-se com uma brasileira.

A lembrança dos pais sempre lhe dava um aperto no coração.

Começou a cantar enquanto preparava o café. Gostava de cantar e dançar para espantar a tristeza. Yoko estava sempre ao seu lado; era sua fiel companheira, o mais próximo de uma família que ainda tinha, embora os pais e a irmã estivessem bem vivos. Cantou mais alto, para sobressaltar as lembranças tristes.

Colocou a comida de Yoko — ração e uma porção de carne ao molho, acompanhados de uma tigela de leite. — E ligou a TV na sala enquanto comia a panqueca com queijo, iogurte, mel e café com leite. Interrompeu a refeição para mandar coloridos bons dias em seus grupos de WhatsApp.

Yoko pulou em seu colo assim que colocou a bandeja de lado, no sofá. Nayuri deu-lhe sua massagem matinal, que a fazia ronronar e babar, com o corpo todo esticado.

— Você gosta, não é, sua preta deliciosa? E essas banhas, hein? Bora fazer um regime, mulher? Se bem que fica gostosa é assim, mais macia que travesseiro. Azar dos gatinhos tarados você ser castrada, e sorte a sua, senão seria gang bang todo dia! — riu alto sozinha, como se tivesse ouvido o comentário de outra pessoa. Beijou a gata várias vezes, depois colocou-a no chão e foi pegar a bolinha dela sobre o hack. Yoko tinha espírito de cachorro, como Nayuri costumava dizer. Afinal, nunca havia visto um gato que gostasse de correr atrás da bolinha e trazer para o dono. Ela o fazia. Era uma bolinha de papel envolta em saco plástico, bem simples como ela gostava — outras bolas mais sofisticadas ela ignorava. — Japa a jogava e Yoko corria para buscar, trazendo-a e colocando aos seus pés ou colo. Sempre que acordava em casa ou que chegava cedo da sede do Clube, Nayuri gastava vários minutos na brincadeira até a gatinha cansar. Quando terminou, colocou uma música no sound bar, um hit k-pop e dançou toda a coreografia ao mesmo tempo em que Yoko corria pela sala e dava pulos e saltos mortais com impulso nas paredes. Nayuri sempre ria alto, incentivando a companheira ou chamando-a de louca.

Sua aula na universidade só começaria às dez. Aproveitou para ficar o máximo possível com Yoko. Achara-a ainda filhote no dia em que finalmente teve coragem para sair da casa dos pais. Fora como um sinal divino: Nayuri chorava em um banco de praça, completamente desolada. Pessoas passavam por ela e o máximo que faziam era olhar com pena ou curiosidade. Foi quando sentiu o pelo macio em sua perna. Magrinha, feiosa, com sinais de maus tratos, provavelmente por ser preta e haver superstição com gatos desta cor. Levou-a para a quitinete onde havia se mudado na época e comprou-lhe ração e vasilhas de água e comida. Desde então se tornara sua companheira inseparável. Agora Yoko tinha o pelo brilhoso e macio, era grande e tão carinhosa e hiperativa quanto a dona.

Mas Japa estava preocupada. Sabia que era dia de julgamento dos desafios incompletos — quando havia ao menos um item descrito nos detalhes do desafio que não houvesse sido cumprido. — E seu desafio na igreja havia sido um deles. Só de pensar nas punições que já havia tido, sentiu um calafrio. A mente diabólica de Devassa era capaz de coisas bastante cruéis.


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Disso não tenho dúvidas.

Clube Proibido [completo]Onde histórias criam vida. Descubra agora