Capítulo 101: Pimenta

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— Já vai!

O rapaz atravessou o corredor em direção à porta da sala. A campainha já havia soado duas vezes. Era difícil se apressar com os quilos a mais que tinha. Abriu a porta.

— Amor? — surpreendeu-se ao ver o rosto de Valentina.

— Oi, gato — ela se inclinou e deu-lhe um selinho, passando por ele. — Posso dormir aqui hoje?

— Claro que sim — disse ele fechando a porta, ainda com a expressão de surpresa. — Mas por que não ligou, amor? Aliás, não tem atendido minhas ligações...

— O celular descarregou — a ruiva sentou-se pesadamente no sofá. Era um apartamento pequeno, mas aconchegante. — Cadê o Ruy?

— Saiu com a namorada. Você já jantou?

— Ainda não. O que tem aí?

— Pizza — ele deu um sorrisinho envergonhado.

— Pizza de novo, Ray? — ela cruzou os braços, fechando a cara. — Por isso está com quase cem quilos.

— Você sempre diz que não liga que eu seja gordinho.

— Gordinho é seu charme. Te acho gato e você sabe. Mas se não se cuidar, vai se tornar um obeso mórbido.

O jovem chamado Ray baixou a cabeça. Tinha dois anos a mais que Valentina e cabelos bem pretos, contrastando com sua pele branca. Valentina se levantou e andou até ele, com um sorriso contido.

— Quer assistir a um filme?

— Sim — ele sorriu.

Valentina adorava ver as bochechas do namorado quando ele sorria. Ela esquentou a pizza e comeu na cozinha, na companhia de Ray, que lhe falava do livro que estava lendo, presente dado por ela. Ambos amavam a leitura, especialmente thrillers investigativos. Na verdade Ray havia se apaixonado por este tipo de leitura por causa dela. Foi Valentina quem lhe apresentou Agatha Christie, por exemplo. Porém o que ela havia lhe dado era pós-apocalíptico: A Passagem.

Foram ao quarto. Ray deu-lhe um beijo demorado. Estava com saudades de sua ruiva, e quando começava a beijá-la daquela forma era porque queria sexo. Valentina porém não estava no clima. Primeiro por ter ido dormir com o namorado por medo de ser surpreendida em sua casa por bandidos enviados por Heitor Pimenta; segundo, naquele mesmo dia havia feito dois desafios que envolviam sexo. Estava ardida.

— Vamos, liga o computador — ela pediu, desvencilhando-se dele e se deitando na cama.

Ray suspirou.

— Duro ver você toda gostosa na cama e quando não está afim.

— Quando me via no site achava que eu era uma máquina de sexo?

— Ao menos eu batia uma enquanto você se masturbava ao vivo.

— Esses tempos já eram. Agora sou só sua, meu gato. Agora coloca logo o filme, senão eu durmo.

Valentina sentia-se mal por mentir para Ray. Logo ele que a aceitara mesmo tendo-a conhecido através do site em que ela se masturbava ao vivo para o mundo todo. Ray era carinhoso, atencioso e bastante inteligente. Não conseguia imaginar alguém que tivesse mais a ver com ela do que ele. Ele nunca apresentara nenhum tipo de preconceito e a amava de verdade enquanto ela vivia sua vida paralela em que ele jamais poderia desconfiar — para seu próprio bem. — Por mais que gostasse de se exibir, queria poder ser exclusiva de seu namorado, fazer por merecer o amor dele, maior até que o seu.

Assistiram a um filme escolhido por Ray na Netflix conectando o notebook à TV por um cabo HDMI. Valentina dormiu antes do final, com a cabeça encostada no peito do namorado. Ray observava orgulhoso a coxa da ruiva sobre suas pernas, as madeixas alaranjadas próximas ao seu nariz. Jamais imaginaria que uma garota tão linda, ainda mais inteligente, engraçada e terrivelmente sexy se interessaria por ele. Não que fosse feio, mas estava acima do peso. Alguns amigos diziam que se perdesse uns vinte quilos ficaria muito bonito; Valentina achava-o lindo do jeito que era, e só implicava com a comida por se preocupar com sua saúde.

Por isso Ray ignorava as saídas misteriosas de Valentina, seus sumiços sem explicação plausível e todas as perguntas que ela nunca respondia. Ele não se importara de namorá-la mesmo tendo-a conhecido através do meio que conheceu. Valentina gostava de mostrar seu corpo, de que a assistissem, e no fundo Ray desconfiava que ela secretamente dançava em alguma boate ou continuava trabalhando para sites como o que ela saíra por causa dele. De outra forma, como justificar o fato de que ela sempre tinha tanto dinheiro?

Ray não se importava. Mesmo. Momentos como aquele, saber que ela no fim sempre voltava para ele, que o que ela sentia por ele era real, já que ele nada tinha para lhe oferecer, compensariam quaisquer atitudes consideráveis como traição. Iria pedi-la em casamento, teria filhos com cabelos de fogo.

Campainha.

Olhou para o relógio. Era muito tarde. Seria algum vizinho do mesmo bloco? Ou seu irmão Ruy que talvez tivesse esquecido a chave em casa. Afastou a cabeça da namorada com delicadeza para não acordá-la. Apertaram mais uma vez. Saiu do quarto e avançou pelo curto corredor. A luz da sala estava acesa, como havia deixado. Olhou pelo olho mágico. A pessoa estava em uma posição em que não dava para ver o rosto, mas era um homem, bem vestido.

Abriu a porta.

Valentina acordou grogue, levando alguns segundos para perceber que o namorado não estava na cama.

— Ray? Amor?

Levantou-se e caminhou descalça até a porta do quarto. Bocejou, ainda com os olhos entreabertos.

— Ray! — Valentina andou pelo corredor cuja luz estava acesa.

Estacou na sala. Ray não estava lá. Voltou pelo corredor e bateu de leve na porta do quarto de Ruy.

— Ruy?

Que horas seriam? Estava perdida no tempo. Teria Ray saído? Àquela hora? Ainda não tinha amanhecido, tinha certeza. Ou teria? Voltou à sala.

Só então percebeu um elemento estranho ao cenário. E à medida que sua mente foi tentando achar naquele pequeno objeto algum sentido, os pontos foram se encaixando de forma aterrorizante. Seus olhos foram se abrindo até se arregalarem totalmente. Aquele elemento desconexo na frente da porta não estava ali por acaso.

Era uma ameaça.

Um pedido de resgate.

Uma mensagem.

Uma pimenta.


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Nem precisa dizer quem foi né?

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