Capítulo 122: Cachorra

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Onze anos atrás


O estabelecimento de paredes vermelhas estava pouco movimentado. Geralmente apenas os bêbados asquerosos sem família apareciam por ali durante o dia — era tarde da noite que os clientes secretos surgiam.

Shirley estava na calçada fumando um cigarro. Lá dentro, na vitrola, tocava um brega qualquer. Uma loira um pouco acima do peso apareceu à porta.

— O cliente quer você, Shirley.

A prostituta revirou os olhos.

— Aquele porco do pinto murcho? — sussurrou.

— É.

— Porra, Valeska, arranja outra aí. Já dei pra quatro hoje. Um pior que o outro.

— Você é acostumada a dar pra bem mais que isso. Posso fazer nada se eles preferem você — a loira entrou.

Shirley suspirou fundo. Quando chegara ao prostíbulo fora a sensação, de longe a mais bonita, de um cardápio já batido pelos cientes da cidade. A princípio gostava, mas com o tempo a preferência tornou-se enfadonha. Os clientes eram na maioria nojentos e grosseiros. Com exceção dos pais de família que surgiam cheios de amor para dar. Havia recebido uma boa grana do italiano, mas tinha planos para aquela quantia. Sair dali e conseguir um bordel de luxo, por exemplo. Deu uma última tragada antes de jogar o cigarro no chão.

Fez menção de entrar, quando viu a filha do italiano dobrar a esquina, vindo decidida em sua direção. Abriu um sorriso sarcástico. Adorava um bom barraco.

— Diga, loirinha.

— Muita sorte te encontrar bem na porta. Queria mesmo falar com você.

Ela usava uniforme escolar. Shirley invejava aquele corpo já tão bem formado da adolescente. Sem falar que ela era linda. Estupidamente linda. Tivera gosto em fazer o que o pai dela a pagara para fazer. Foi chegando mais perto, com queixo erguido e um estranho olhar.

Shirley estava na defensiva, mas não estava pronta para um ataque de fúria. Os braços ágeis de Sara agarraram seu ombro e antebraço, inclinando-a para baixo, ao mesmo tempo em que uma violenta joelhada era desferida em seu estômago. A prostituta caiu no chão em posição fetal, dividida entre a dor excruciante e a busca desesperada por ar.

De imediato as prostitutas e clientes se mobilizaram, pegos de surpresa.

Sara já abria a mochila e retirava de dentro um frasco de plástico com uma tarja. Montou no corpo caído de Shirley, agarrando seu cabelo e puxando-o para trás, apenas para impulsionar a cabeça e empurrá-la contra a calçada, em um golpe seco. As colegas de trabalho da prostituta avançaram instintivamente, três ao todo — uma por todas e todas por uma. —, mas Sara abriu o pote e derramou um pouco de seu conteúdo em arco diante de si, como um escudo. Elas instintivamente deram um passo para trás, percebendo com horror do que se tratava: o chão fez um barulho de comprimido efervescente em água, e uma fumaça sutil emanou da corrosão.

— Sabem o que é isso, suas putas burras? — Sara segurava os cabelos de Shirley com uma mão e o pote com a outra, apontando-o como se fosse um revólver.

Shirley, que já se preparava para revidar, também percebeu que a filha do italiano tinha um frasco de ácido em mãos. O terror dominou-a instantaneamente. Ficou imóvel, alheia ao sangue que escorria de sua testa ferida.

— Eu poderia arrancar seus olhos com meus polegares, quebrar seu braço, deixar você aleijada para sempre. Coisas que meu pai pagou pra eu aprender. Mas faço questão de fazer um estrago ainda maior e transformar você em um monstro se não me confessar que ele te pagou pra me enganar.

— C-Calma! Por... Por favor, não faça bobagem! — Shirley balbuciou.

— Larga isso, garota! Você pode ser presa! — gritou um cliente.

— Filha, solte esse negócio! — disse uma prostituta mais velha.

O número de pessoas aglomerado aumentava, tanto de dentro do bordel, quanto de fora. Era o que Sara queria.

— Vou derramar isso em seu rostinho maquiado se não falar a verdade, sua vadia! — vociferou Sara puxando a cabeça de Shirley para trás pelos cabelos. Ninguém ali duvidava que ela seria capaz de fazer aquilo.

— Ele me pagou! Pagou sim!

— Pra quê, exatamente?

— Eu só fiz minha parte! O músico tava desacordado, eu tinha que fazer parecer que ele tava transando nas fotos.

— Desacordado? — Sara estava com os nervos à flor da pele. — Bateram nele?

— Não. Não, não. Usaram um pano com aquele líquido que faz dormir. Ele não apanhou nem nada.

— E cadê ele?

— O outro cara levou ele de carro. Ficou de ameaçar e largar ele longe daqui.

Sara quase não respirava.

— Então ele... ele não teve nada a ver com isso?

— Não. Foi seu pai. Ele pagou muito bem pra armar tudo. Por favor, eu disse tudo...

Sara ouvira o suficiente. Alguém já devia ter chamado a polícia. Sentia o peito arder e a garganta fechar. Leandro não a havia traído, muito menos a entregado para fazer sexo com outro.

Saiu de cima de Shirley com o estômago embrulhado. Percebeu que uma pequena multidão havia se formado. Estava tonta. Olhou para Shirley novamente, ainda caída no chão diante dela. Quase cedeu ao impulso de jogar o ácido em seu rosto. Um lapso de sanidade a fez pensar que desfigurar aquela mulher seria cruel demais. Fora seu pai. Ele precisava pagar.

Mas aquela puta também merecia.

— Tira a roupa — ordenou. — Anda!

Shirley obedeceu sem pestanejar. As pessoas temiam abrir a boca e serem alvos da fúria da jovem loira. Todos apenas observaram a prostituta se despir com orgulho ferido, mas com terror tremendo-lhe os ossos. O frasco de ácido continuava em riste. Após descer a calcinha, cobriu os seios com um braço e o meio das pernas com o outro.

— Eu disse o que você queria...

— Ajoelha aqui — Sara apontou para a rua adjacente à calçada.

A plateia apenas observava. Havia um quê de voyeurismo na total ausência de atitude de todos. Shirley obedeceu à ordem, ajoelhando-se no calçamento.

— Estão vendo como ela não passa de uma cadela? — Sara escarniou em voz alta. — Uma cadela de quatro. Está com sede, cachorra?

Shirley cerrou os dentes, contendo o ódio.

— Esqueci que cachorras não falam. Então vou ter que te ajudar. Olha ali, totó, aguinha fresca — Sara apontou para o esgoto, para onde um cano da calçada jorrava água suja.

Shirley arregalou os olhos.

— Não pode fazer isso...

Antes que continuasse a frase, Sara despejou um pouco de ácido no chão. Não precisou dizer mais nada. Tremendo de raiva, vergonha e nojo, a prostituta agachou-se diante do esgoto, estendendo a mão para pegar o líquido.

— Não! Beba como uma cachorra, sem as patas.

Shirley fechou os olhos, respirou fundo e baixou o rosto até o limite do chão, com uma careta e a ponta da língua pra fora, tocando a água imunda.

— Bebe com vontade. A cadela está morrendo de sede.

Mesmo estando de quatro, com a bunda arrebitada e aberta pela inclinação do tronco, era para o rosto que todos olhavam. Para a língua que bebia agilmente, com sofreguidão, como se demonstrar vontade fosse acabar logo com aquele pesadelo. Após alguns segundos que pareceram uma eternidade, o gosto amargo a fez ter ânsia de vômito, assim como todos que assistiam à cena tão horrorizados quanto excitados pela história que teriam para contar. Quem naquela cidadezinha presenciava algo tão... animalesco?

Tão concentrados estavam na desgraça de Shirley que nem notaram Sara se afastar. Passou entre eles com passos firmes, o ódio agora concentrado em uma única pessoa. 

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