por ter resistido sozinho a um grupo inimigo que atacara um posto avançado, o que deu tempo
a que a Base fosse evacuada sem perdas. Uma das muitas operações em que rira do inimigo,
sobre ele lançando balas, gracejos e insultos.
Teoria sentia que o Comandante também tinha um segredo. Como cada um dos outros.
E era esse segredo de cada um que os fazia combater, frequentemente por razões longínquas
das afirmadas. Porquê Sem Medo abandonara o curso de Economia, em 1964, para entrar na
guerrilha? Porquê o Comissário abandonara Caxito, o pai velho e pobre camponês arruinado
pelo roubo das terras de café, e viera? Talvez o Comissário tivesse uma razão mais evidente que
os outros, sim. Porquê o Chefe de Operações abandonara os Dembos? Porquê Milagre
abandonara a família? Porquê Muatiânvua, o desenraizado, o marinheiro, abandonara os barcos
para agora marchar a pé, numa vida de aventura tão diferente da sua? E porquê ele, Teoria,
abandonara a mulher e a posição que podia facilmente adquirir? Consciência política,
consciência das necessidades do povo! Palavras fáceis, palavras que, no fundo, nada diziam.
Como age em cada um deles essa dita consciência?
Os companheiros começavam a mexer-se, despertando, e o professor não tinha afastado
esses pensamentos. O Mayombe não deixava penetrar a aurora, que, fora, despontava já. As
aves noturnas cediam o lugar no concerto aos macacos e esquilos. E as águas do Lombe
diminuíam de tom, à espera do seu manto dourado. À frente, descendo o Lombe, a menos de
um dia de marcha, devia estar o inimigo.
Eu, O Narrador, Sou Teoria.
Manuela sorriu-me e embrenhou-se no mato, no mato denso do Amboim, onde
despontava o café, a riqueza dos homens. O café vermelho pintava o verde da mata. Assim
Manuela pintava a minha vida.
Manuela, Manuela onde estás tu hoje? Na Gabela? Manuela da Gabela, correndo no
mato do Amboim, o mato verde das serpentes mortais, como o Mayombe, mas que pare[ce] o
fruto vermelho do café, riqueza dos homens.
Manuela, perdida para sempre. Amigada com outro, porque a deixei, porque Manuela
não foi suficientemente forte para me reter no Amboim e eu escolhi o Mayombe, as suas lianas,
os seus segredos e os seus exilados.
Perdi Manuela para ganhar o direito de ser «talvez», café com leite, combinação, híbrido,
o que quiserem. Os rótulos pouco interessam, os rótulos só servem os ignorantes que não veem
pela coloração qual o líquido encerrado no frasco.
Entre Manuela e o meu próprio eu, escolhi este. Como é dramático ter sempre de
escolher, preferir um caminho a outro, o sim ou o não! Porque no Mundo não há lugar para o
talvez? Estou no Mayombe, renunciando a Manuela, com o fim de arranjar no Universo
maniqueísta o lugar para o talvez.
VOCÊ ESTÁ LENDO
mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...