Saltou do jipe e entrou no bureau, para esconder a comoção. Encontrou Ondina no
caminho. Ela apertou-lhe as mãos.
— Promete-me que farás tudo.
— Já o prometi, Ondina.
— Obrigada.
Sem Medo deu algumas ordens a Kandimba e voltou ao jipe. Os homens subiram para
os dois carros e estes arrancaram a grande velocidade. Atravessaram a cidade adormecida e
meteram-se pelo mato, a caminho da fronteira. Ao lado do Comandante, que continuava a guiar
o jipe, ia Vewê. Corajoso, o miúdo! Não esqueceu a pistola nem o guarda. No meio dos seus
sentimentos contraditórios, Sem Medo pôs-se a pensar nas três gerações de combatentes que
estavam representadas por ele, pelo Comissário e por Vewê. A de Vewê seria fatalmente a
melhor, aquela que iria conquistar a vitória final. Nós somos as pedras, mas só as pedras, da
catedral. Ele é o teto, a torre do sino... Merda, lá estou eu a fugir para o lado religioso!
— E o Chefe de Operações? E o guarda? – perguntou o Comandante, quase gritando
para se fazer ouvir.
— Encontrei-o – disse Vewê. – O guarda ficou com ele, eu vim avisar. O Chefe de
Operações está à sua espera na cascata. Ele disse logo que o camarada Comandante ia vir com
um reforço, não se ia deixar ficar em Dolisie à espera do mujimbo.
— E que reforço! Viste como todos se ofereceram? Esqueceram as tribos respectivas,
esqueceram o incómodo e o perigo da ação, todos foram voluntários – bateu na perna de
Vewê. – É por isso que faço confiança nos angolanos. São uns confusionistas, mas todos
esquecem as makas e os rancores para salvar um companheiro em perigo. É esse o mérito do
Movimento, ter conseguido o milagre de começar a transformar os homens. Mais uma geração
e o angolano será um homem novo. O que é preciso é ação.
Vewê nada disse, agarrado fortemente à parte da frente do jipe, para aguentar os
solavancos do carro, embalado sobre um terreno feito para cultivar. Mas não se pôde impedir
de pensar que o Comandante lhe parecia mais otimista que nunca, numa altura em que talvez se
tivesse de voltar a partir do zero, com a perda dos melhores guerrilheiros.
O jipe continuava largado, lançando uma nuvem de pó para trás. O camião tinha-se
atrasado, por causa do pó. O capim alto dos bordos do caminho fustigava as costas dos
guerrilheiros, que se abaixavam constantemente para não apanharem com ele na cara.
— Ça va, camaradas? – perguntou Sem Medo.
— Pode ir mais depressa, a gente aguenta – disse um guerrilheiro.
Sem Medo meteu o acelerador a fundo. Andaram mais uns quilómetros e o caminho
tornou-se impraticável. O dia já nascia e a fronteira estava diante deles. A fronteira manifestava-
se por uma linha de montanhas coroadas de árvores. Tiveram de parar os carros. Camuflaram-
nos com ramos e capim. Puseram-se em coluna. Sem Medo disse:
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...