pág 95

47 3 0
                                    


O Comandante estava no caminho de Dolisie, a arma ao ombro. O Comissário
apontou-lhe a AKA.
— Eu vou passar, Sem Medo. Não me tentes impedir.
— Não faças isso, João, ou terei de te prender.
— Tenta, se és capaz.
O Comissário avançou, a arma apontada: Sem Medo estudou os seus olhos. Avançou
um passo. Um fulgor brilhou no olhar do Comissário. Fulgor repentino que logo desapareceu.
Sem Medo avançou outro passo. O cano encostou-se-lhe ao ventre. Sem Medo afastou o cano
com o braço esquerdo, fixando sempre os olhos do Comissário. Segurou o cano e puxou-o. O
Comissário largou a arma. O Comandante pôs tranquilamente as duas armas no mesmo ombro.
— Vamos para a Base. Avança!
O Comissário avançou à sua frente, sem protestar.
Perto da Base, Sem Medo entregou-lhe a arma.
— Isto fica entre nós.
Quando entraram na Base, eram duas horas e o almoço estava pronto. O Comissário foi
para a casa do Comando. Sem Medo pediu aos guerrilheiros que não o incomodassem. E foi à
cozinha buscar a comida para os dois. O Comissário recusou o prato. Sem Medo não insistiu,
deixou o prato sobre a mesa. O Comissário acabou por pegar no seu, olhou-o com um sorriso
envergonhado e começou a comer.
— Desculpa, dá-me mais um cigarro.
O Comandante estendeu-lhe o maço.
— Não me digas que agora vais começar a fumar.
— Sou capaz disso. Não se diz que o cigarro é o único fiel companheiro?
Sem Medo sentiu a amargura do outro. Acendeu-lhe o cigarro sem ripostar. Acendeu
depois o seu.
— No outro dia querias conhecer o meu segredo, lembras-te? Ainda o queres ouvir?
— Sim.
— Acho que é chegado o momento. Vamos então até ao rio. É lá o nosso
confessionário.
Foram. Sentaram-se sobre um tronco. Sem Medo tirou as botas e meteu os pés dentro
da água.
— Devias fazer o mesmo. É das sensações mais agradáveis.
— Talvez – disse o Comissário. – Mas, se o tuga aparece, deixas as botas e tens de fugir
descalço, o que não é nada agradável.
— Já me aconteceu.
— Eu sei.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora