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— Deixa lá isso! – disse Sem Medo.
— Não deixo, não. É importante. Tratámos bem os trabalhadores, há muito tempo que
não tínhamos um contato tão importante com o povo do interior, as consequências podem ser
muito positivas. Mas houve uma sombra. Um trabalhador foi roubado e soube-o. Os outros
também souberam. Que é que o povo vai dizer? Os do MPLA trataram bem os trabalhadores, é
verdade, mas foi só para os mobilizar. Logo que puderam, roubaram o que de valor levavam.
Que interessa fazer ações assim, se ficamos sujos?
— Bem. Que propões?
— Eu vou com dois camaradas. Tentaremos chegar à aldeia onde o mecânico mora e
deixamos o dinheiro num papel. Alguém apanhará o papel e entrega-o.
— Quem apanhar fica com o dinheiro, não o entrega e pronto! Um risco para nada –
disse o Chefe de Operações.
O Comissário coçou a cabeça. Os olhos brilharam. Falou de novo:
— Esperamos o mecânico no caminho que sai da sanzala. Ele de manhã cedo vai para o
trabalho. Entregamos-lhe o dinheiro e pedimos desculpa...
— Arriscado, muito arriscado – disse Sem Medo –, os caminhos devem estar
patrulhados.
— Só três homens passam em qualquer sítio sem se fazerem notar.
— O mecânico avisa os tugas, que devem estar a vigiar a zona, e cortam-vos a retirada.
Vocês têm de vir pelo Lombe e é fácil cortar...
— Não é nada fácil. Cortaram-nos? De qualquer modo, tens uma ideia melhor?
— Tenho – disse Sem Medo –, deixa cair!
— Não podemos.
— Camarada Comissário – disse o Das Operações –, oiça o camarada Comandante, é
um plano arriscado. E o resultado...
— Aí é que vocês se enganam. O risco pesa-se com a importância da coisa. E vocês não
compreendem que isto é fundamental, pode decidir sobre a impressão que o povo tenha de
nós. E mesmo o mais importante.
Sem Medo fumava o seu primeiro cigarro daquele dia. Restava-lhe um, que seria
guardado para o dia seguinte. Estou a ficar velho, pensou ele, começo a tornar-me previdente.
Antes eu teria fumado todos os cigarros no princípio e depois sofreria o tempo que fosse
necessário. Só os velhos são capazes de repartir o prazer. E é por ficar velho, aos 35 anos, que
xinguei o Muatiânvua pela sua ousadia. É por ficar velho que não aprovo a coragem generosa
do Comissário? O risco é como o prazer, o jovem não o pode repartir.
— Com quem irias? – perguntou Sem Medo.
— Com dois voluntários. Um terá forçosamente de ser o Lutamos, é o único que
conhece a mata.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora