pág 163

37 2 0
                                    


Vamos amanhã avançar para o Pau Caído. Missão arriscada, pois ou são eles ou somos
nós. O Pau Caído ocupado pelo inimigo representa mais um punhal no povo de Cabinda. E
onde está esse povo?
Deixa-se dominar, não nos apoia. A culpa é dele? Não, a culpa é de quem não soube
convencê-los.
Amanhã, no ataque, quantos naturais de Cabinda haverá? Um, eu mesmo. Um, no meio
de cinquenta. Como convencer os guerrilheiros de outras regiões que o meu povo não é só
feito de traidores? Como os convencer que eu próprio não sou traidor?
As palavras a meia voz, as conversas interrompidas quando apareço, tudo isso mostra
que desconfiam de mim. Só o Comandante não desconfia.
Entrámos no mesmo ano na guerrilha. Eu era o guia, ele era o professor da Base. Não
queriam que ele combatesse, davam-lhe os comunicados de guerra para escrever. Até que um
dia ele exigiu que o deixassem combater. Nunca mais escreveu os comunicados de guerra,
passou a vivê-los.
Estivemos sempre juntos, ele sabe que não trairei. Mas quantos são os que pensam
como ele? Vai embora, foi dito que se vai embora para o Leste. Quem me defenderá dos
outros, quem terá a coragem de se opor ao tribalismo?
Terei de ser eu a impor-me, sendo mais corajoso que ninguém. E Nzambi sabe como
tenho medo! Mas que será feito do meu povo se o único cabinda se portar mal?
Às vezes penso que os outros têm razão, que era preciso liquidar os cabindas. É nos
momentos de raiva. Mas o meu irmão, bem mobilizado, não seria capaz de lutar? Seria, sim, é
só preciso que a luta avance.
Depois de amanhã, no combate, serei como o Sem Medo. O meu povo o exige.
A progressão até ao Pau Caído passou-se normalmente. Por vezes, viam novos trilhos,
abertos pelo inimigo, procurando a Base. As patrulhas de reconhecimento iam e vinham,
estudando minuciosamente o terreno. Qualquer choque prematuro estragaria o efeito de
surpresa. O grosso da coluna avançava em etapas curtas, de uma hora de marcha.
Às três da tarde estavam a quinhentos metros do acampamento. Ouviam-se vozes, gritos
e gargalhadas. O grupo de artilharia separou-se, foi ganhar o morro onde pernoitaria. O fogo
começaria exatamente às seis da manhã.
Os guerrilheiros descansavam, calados. Os responsáveis cochichavam, combinando os
últimos detalhes. Comeram às cinco horas. Nessa altura, deslocou-se o grupo de bazukeiros,
comandado pelo Chefe de Operações. Tomariam posições à noite, antes de dormir, e às seis
menos dez progrediriam para o acampamento. O grupo de assalto mantinha-se naquele local, e
começaria a progressão às cinco e meia da manhã. Era um grupo numeroso e, por isso, não
podia dormir demasiado junto do inimigo: há a tosse incontrolável ou o pesadelo que faz gritar.
Sem Medo aproximou-se de Teoria.
— Que tal?

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora