— Tens razão. Mas essa mulher que conheci, e tantas outras afinal, era dum país
socialista.
— Não quer dizer nada, Comandante. Primeiro, esse problema não está ainda resolvido
nos países socialistas. Em segundo lugar, deve ser a última superestrutura a ser modificada. A
mais difícil de modificar, que choca contra toda a moral e preconceitos individuais que os
modos de produção anteriores provocaram.
Sem Medo tinha secado. Vestiu a farda, contemplando o no []. O Comissário tinha
deixado o seu problema para mais tarde, estava mais calmo. Oh, ficava para mais tarde! Quando
a noite viesse bem o sentiria revolver-se na cama. Mas nesse momento o desespero tinha
desaparecido, já não era um mau resultado. Levantaram-se e partiram para a Base, sem falar.
Partiram da Base às sete da manhã, com mais três guerrilheiros. Meia hora depois
subiam o Cala-a-Boca, montanha que demorava duas horas a subir, com intermitências, onde o
solo estava eternamente escorregadio, pela humidade permanente. O nome da montanha fora
encontrado por um dos primeiros grupos de reabastecimento, na altura em que a Base fora
instalada no interior. Era um grupo constituído por civis. Um deles, no cume da montanha,
pôs-se a chorar, a dizer que não avançava mais. Outro disse-lhe: «Cala a boca, não chora, quem
te mandou vir para a Revolução?». Todos os sítios tinham os seus nomes picarescos. Um
tronco de árvore em que um civil se deixara cair, recusando seguir, era a «árvore do Nuno»;
uma descida em que uma pioneira escorregara era a «descida da Helena»; um rio onde Ngandu
caíra ao atravessar o vau era o «rio Ngandu». Nomes que recordavam proezas negativas dos
civis de Dolisie. Os guerrilheiros apontavam sempre os sítios e deleitavam-se a dizer os nomes.
Isso também ajudava para a troca de informações.
Venceram o Cala-a-Boca e meteram-se pelo capim alto que fustigava os rostos e se
introduzia na roupa, provocando comichões. Já estavam no Congo. Angola apresentava-se atrás
deles com a forma de montanhas cobertas de mata, o cume afogado nas nuvens.
Chegados a Dolisie às duas horas, o Comissário partiu para a escola e Sem Medo foi ao
bureau. No bureau encontrou o velho Kandimba, que lhe disse não haver almoço. Os
responsáveis? O André ainda não aparecera e o membro da Direção que viera de Brazzaville
tinha saído.
— Arranja-me um pão, mais velho. Ainda não almocei.
O velho Kandimba trouxe-lhe meio pão. Sem Medo comeu-o à porta, observando a rua.
Trocara a farda pela roupa civil, mas não tomara banho na casa de passagem dos guerrilheiros,
à entrada da cidade. Fá-lo-ia no bureau, depois de comer o pão.
— Então vocês agora metem-se com as mulheres dos outros? – disse Kandimba.
— Vocês?
— Sim, vocês, os kikongos.
— Está lindo isto aqui! – disse Sem Medo.
Acabou o pão e foi tomar banho. Kandimba passou-lhe a toalha.
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...