Lutamos ia protestar.
— Atirem só para as rodas!
Foi nesse momento que se ouviu a segunda rajada, feita por Mundo Novo, que se
confundiu com a rajada de Lutamos.
Um pneu estoirou, mas o camião já passara e continuava a rolar sobre a junta. O tuga
esmagava o acelerador, as duas mãos aduncas eram tenazes sobre o volante.
Lutamos virou-se para Sem Medo.
— Porquê?...
— Era um civil.
— E o buldozer? – lembrou Teoria.
Correram os três para o sítio onde devia estar o buldozer.
Encontraram-se então com o grupo do Chefe de Operações.
— Deixaram fugir o ngueta? – perguntou este.
— Sim. E demos-lhe mesmo uma Guia de Marcha – disse Sem Medo, de mau humor.
O motorista do buldozer tinha-se metido no mato, ao ouvir a primeira rajada. Os
guerrilheiros rodearam o buldozer.
— Bazukem-no e depois metam fogo – ordenou o Comandante.
Um trabalhador pediu timidamente a Mundo Novo autorização para ir um pouco para o
lado. E apertava o ventre.
— Caga aí! – disse Mundo Novo.
O estoiro da bazuka rivalizou com o de um gigante desmoronando-se. Depois de o
fumo dispersar, viu-se o motor do buldozer completamente destruído. Ao cheiro da pólvora
veio misturar-se um cheiro mais característico. Mundo Novo olhou Sem Medo e este olhou o
trabalhador que pedira para se afastar.
— Este gajo... – só teve tempo de exclamar Sem Medo.
Subitamente, dobrou-se numa gargalhada que atroou sobre o Mayombe. A gargalhada
de Sem Medo era uma ofensa incomensurável ao deus vegetal que obrigava as vozes a saírem
ciciadas. Os guerrilheiros, a princípio, pensaram que a bazukada, disparada de perto, tivesse
dado a volta à cabeça de Sem Medo. Mas depois viram o trabalhador de pé, as pernas afastadas,
o ricto bestificado em êxtase e as fezes a deslizarem-lhe pelas coxas, e a pingarem sobre o chão.
O Comandante, acabando por dominar-se, fez uma cara de desgosto e ordenou que se
lançasse fogo ao buldozer, visto que nada podiam recuperar. Apanharam lenha seca,
empilharam-na sobre a máquina, regaram a lenha de gasolina e pegaram fogo. As chamas
elevaram-se, numa lambidela rápida, aos ramos mais próximos das árvores. Dois guerrilheiros
levaram os quatro trabalhadores para um sítio mais afastado, donde nada pudessem ver,
enquanto Ingratidão do Tuga colocava três minas antipessoais perto do buldozer. Quando as
minas estavam bem camufladas, Sem Medo escreveu num bocado de papel
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...