— A última vez que comemos foi ontem ao meio-dia – disse o Comissário. – Os
camaradas não aguentam muito mais, com o esforço de ontem... O melhor é retirarmos para
podermos acender fogo e cozinhar. Amanhã eles passarão.
— Não – disse o Chefe de Operações –, eles vão passar hoje. É impossível que não
mandem reforços do Sanga. Portanto, os reforços vão voltar, eles não aceitam dormir na mata.
Os camaradas aguentam, querem combater. E esperar mais um dia é pior, então acaba a comida
de vez.
— Tens razão, Das Operações. Vamos esperar até às cinco horas – disse o Comandante.
– Se até lá não vierem, então retiramos para acampar e procurar lenha seca. Dá tempo! O
Comissário ficou contrariado, mais pelo brilho dos olhos do Chefe de Operações. Mas não
replicou. Voltaram a tomar posição.
Havia guerrilheiros que adormeciam, as armas em posição e o dedo no gatilho. O
Comandante percorria constantemente a fila de combatentes, acordando-os suavemente para
não os assustar, perguntando coisas insignificantes, sussurrando estórias e anedotas, para
levantar o moral. Os guerrilheiros sorriam, piscavam-lhe o olho, demonstrando confiança. É
engraçado, pensava Sem Medo, ao ir de um para outro, mesmo os que não me gramam nada
parece que me adoram. É a solidariedade do combate!
Tinham devolvido a arma a Ingratidão do Tuga, mas Ekuikui recebera missão de o vigiar
de perto. Ekuikui cumpria, muito compenetrado, o seu papel.
O Comandante deitou-se ao lado de Teoria. O professor lançou-lhe uma rápida mirada,
mas nada disse. Sabia porquê Sem Medo viera. Sem Medo também sabia por que viera.
— Então? – perguntou o Comandante.
— O meu segundo eu prevalece – disse Teoria. – Não te preocupes.
— Não estou preocupado. Sabia disso.
Sem Medo levantou-se e avançou ao longo da estrada, para saber como estava o guarda,
colocado a duzentos metros da emboscada e encarregado de dar o sinal, quando o inimigo
aparecesse.
— Vamos embora, camarada Comandante?
— Não. Eles vão vir.
— Tenho fome, camarada Comandante.
— E eu que ainda não fumei hoje? – respondeu Sem Medo.
Voltou para o sítio da emboscada. Placou no seu lugar e esperou, numa sonolência leve,
interrompida pelo gesto de ver as horas. Às quatro, o Sol já não se vislumbrava, tapado pelas
árvores do outro lado da estrada.
A espera era o pior. Depois de o inimigo surgir, acabavam os problemas, os fantasmas
ficavam para trás, e só a ação contava. Mas, na espera, as recordações tristes da meninice
misturavam-se à saudade dos amigos mortos em combate e mesmo (ou sobretudo) ao rosto de
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...