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amigo, por quem sinta amizade e uma certa atração física. Mas nunca encontrei um homem
desses.
— Não acredito numa palavra – disse Sem Medo.
— Neste momento penso assim.
— De acordo. Mas ontem não o pensavas.
— Oh! Ontem, sim.
— Está bem. Mas aqui há um mês não o pensavas.
Ondina encolheu os ombros.
— Tu próprio disseste que nunca se diz tudo. Também posso ser ciumenta, depende das
alturas. No começo duma relação sou ciumenta. A medida que o tempo passa, deixo de o ser.
Isso significa que me farto da pessoa.
— Não és ciumenta do João?
— Porquê falar do João, Sem Medo?
— Porque ele está aqui presente.
— Talvez em relação a ti. Eu já o tinha esquecido.
— Mentirosa!
Ela voltou a fazer o seu gesto de levantar os dois braços esticados, ao mesmo tempo.
— Tinha-o esquecido. Já estava tão longe! Para ti não? No fundo, tu é que devias ser
mulher dele.
— Foi o que ele me disse. Até insinuou que pensava que eu fosse homossexual...
— Dás demasiada importância às palavras dele.
— És uma boa aluna! Repetes-me o que te lancei no outro dia... É por isso que uma
pessoa não deve atirar chavões à toa: eles vêm sempre bater na cabeça de quem os proferiu.
Fumaram em silêncio. Agora era Ondina que observava Sem Medo, perdido a
contemplar as estrelas. Sem Medo era belo? Sim, sem dúvida. Dele transpirava força, não a
força física animal, mas uma força controlada, desejada. A barba aprofundava-lhe o aspecto de
leão que dorme tranquilamente, seguro de si. Demasiado seguro de si, fora isso que a irritara
quando se conheceram. Vencera-a com a tranquilidade de quem está habituado a vencer e já
não dá importância à vitória. Ao pé dele, Ondina sentia-se uma garota intimidada, precisando
de se salientar para chamar a atenção sobre si. O desafio contra ele tornara-se impossível, o
duelo não tinha sentido: Sem Medo não se prestava a ele, não por receio, mas por desinteresse
pela conquista. E, no entanto, Ondina pressentia que Sem Medo a desejava e que sentia mesmo
ternura por ela.
Talvez porque ele estivesse calado, longe num mundo a que ela não tinha acesso,
Ondina disse:
— Uma mulher tem medo de te amar, de se prender a ti... É como se tivesses sempre a
mochila às costas, pronto a escapar.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora