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— Tens de te convencer que precisas de estudar. Como serás útil depois da luta? Mal
sabes ler... onde vais trabalhar?
— Fico no exército – disse Lutamos.
— E julgas que para ficar no exército não tens de estudar?
Como vais aprender artilharia ou tática militar ou blindados? Precisas de Matemática, de
Física...
— Ora! Eu não quero ser oficial.
— E quem vai ser oficial, então? Esses que se formam no exército tuga, sem formação
política, que um dia tentarão dar um golpe de Estado? É isso que queres? Que depois da
independência haja golpes de Estado todos os anos, como nos outros países africanos?
Precisamos de ter um exército bem politizado, com quadros saídos da luta de libertação. Como
vamos fazer, se os guerrilheiros não querem estudar para serem quadros?
Lutamos encolheu os ombros. Contemplou o grupo de jovens que cambalhotavam por
terra, suando, o suor agarrado à lama do Mayombe, e o Comandante, de tronco nu,
cambalhotando também, levantando-se para em seguida rolar pelo solo, misturando explicações
a encorajamentos e gritos.
— Camarada Mundo Novo, há muitos que estudam. Não é um que não quer estudar
que vai estragar tudo. Eu nasci na mata, gosto é de caçar, de andar de um lado para o outro,
fazer a guerra. Mas não gosto nada [de] estudar. Já aguentei, aprendi a ler e a escrever. Sei
mesmo fazer contas de multiplicar! Para mim já chega. O Comissário mobilizou-me, o ano
passado estudei mesmo. Mas agora já chega, o Comissário já não consegue mobilizar-me mais.
E o que disse é verdade, tem razão. Mas as milícias populares vão impedir os golpes de Estado,
o povo em armas...
— E quem vai instruir o povo? Somos nós. Quem vai enquadrar as milícias? Tem de ser
um exército bem treinado. Para isso, é preciso quadros bem formados.
— E o que diz o camarada Comissário. Todos os que têm muita política na cabeça falam
assim. Mas eu não tenho política na cabeça, sou só guerrilheiro. Quando a independência vier,
se não me quiserem no exército, volto para aqui, viro caçador no Mayombe. Eu não quero ser
muita coisa. Há aí uns que querem ser diretores, chefes de não sei quê, comandantes... Esses
estudam. Eu não quero ser chefe.
Mundo Novo deu por terminada a limpeza da arma. Começou a montá-la
cuidadosamente. Lutamos observava a operação, a sua pépéchá entre os joelhos.
— Há camaradas que estudam só para subirem, isso é verdade. Mas não podes dizer que
são todos. Há outros que querem verdadeiramente ser úteis, ou que querem aprender pelo
prazer de aprender.
— Tchá! – disse Lutamos. – Não acredito. Todos querem é subir ou viver melhor ou
mandar.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora