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de diamantes. A nós não deixou um só, nem sequer o salário de um mês. O diamante entrou-
lhe no peito, chupou-lhe a força, chupou, até que ele morreu.
O brilho do diamante são as lágrimas dos trabalhadores da Companhia. A dureza do
diamante é ilusão: não é mais que gotas de suor esmagadas pelas toneladas de terra que o
cobrem.
Nasci no meio de diamantes, sem os ver. Talvez porque nasci no meio de diamantes,
ainda jovem senti atração pelas gotas do mar imenso, aquelas gotas-diamante que chocam
contra o casco dos navios e saltam para o ar, aos milhares, com o brilho leitoso das lágrimas
escondidas.
O mar foi por mim percorrido durante anos, de norte para sul, até à Namíbia, onde o
deserto vem misturar-se com a areia da praia, até ao Gabão e ao Ghana, e ao Senegal, onde o
verde das praias vai amarelecendo, até de novo se confundir com elas na Mauritânia, juntando a
África do Norte à África Austral, no amarelo das suas praias. Marinheiro do Atlântico, e
mesmo do Índico eu fui. Cheguei até à Arábia, e de novo encontrei as praias amarelas de
Moçâmedes e Benguela, onde cresci. Praias de Benguela, praias da Mauritânia, praias da Arábia,
não são as amarelas praias de todo o Mundo?
Em todos os portos tive uma mulher, em cada porto uma maka. Até que, um dia, estava
eu nos Camarões, ouvi na rádio o ataque às prisões, no 4 de Fevereiro. O meu barco voltava
para o sul e não cheguei a Angola. Fiquei em Matadi, ex-congo Belga. Lumumba tinha morrido,
a ferida sangrava ainda, a ferida só ficou sarada quando o 4 de Fevereiro estalou.
Onde eu nasci, havia homens de todas as línguas vivendo nas casas comuns e miseráveis
da Companhia. Onde eu cresci, no Bairro Benfica, em Benguela, havia homens de todas as
línguas, sofrendo as mesmas amarguras. O primeiro bando a que pertenci tinha mesmo
meninos brancos, e tinha miúdos nascidos de pai umbundo, tchokue, kimbundo, fiote,
kuanhama.
As mulheres que eu amei eram de todas as tribos, desde as Reguibat do Marrocos às
Zulu da África do Sul. Todas eram belas e sabiam fazer amor, melhor umas que outras, é certo.
Qual a diferença entre a mulher que esconde a face com um véu ou a que o deforma com
escarificações?
Querem hoje que eu seja tribalista!
De que tribo?, pergunto eu. De que tribo, se eu sou de todas as tribos, não só de Angola,
como de África? Não falo eu o swahili, não aprendi eu o haussa com um nigeriano? Qual é a
minha língua, eu, que não dizia uma frase sem empregar palavras de línguas diferentes? E agora,
que utilizo para falar com os camaradas, para deles ser compreendido? O português. A que
tribo angolana pertence a língua portuguesa?
Eu sou o que é posto de lado, porque não seguiu o sangue da mãe kimbando ou o
sangue do pai umbando. Também Sem Medo, também Teoria, também o Comissário, e tantos
outros mais.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora