Correu tudo bem. Encontrámo-lo sem problemas. Ofereceu-nos mesmo o dinheiro.
Oferta ao MPLA!
A gargalhada de Sem Medo, como um ronco, era imprudente, podia ser ouvida longe.
Mas o Comandante não pudera conter-se.
— Realmente... vir tão longe, arriscar tanto, para continuar com o dinheiro no bolso...
O Comissário respondeu, um pouco vexado:
— Mas era o que devia ser feito...
— Eu sei, eu sei. Mas não deixa de ser cómico!
Partiram apressadamente, tentando afastar-se da zona perigosa. O almoço foi só restos
de sardinha em lata, o que os fez perder dez minutos. Prosseguiram a marcha, cortando
caminho, sem preocupação pelos rastos que poderiam deixar. A noite encontrou-os na marcha,
mas decidiram continuar mesmo assim, ansiosos de dormirem sob um teto e de comerem
qualquer coisa quente.
A escuridão e a lama provocaram quedas inúmeras. Não fosse o sentido de orientação
de Lutamos, ter-se-iam perdido mil vezes nas curvas do Lombe. A fadiga, as dores, a fome,
tinham desaparecido, eram máquinas feitas para andar. Mas às dez horas da noite chegaram à
Base. Tinham marchado dezasseis horas seguidas.
Antes mesmo de cumprimentar alguém, Sem Medo pediu um cigarro. E fumou-o
integralmente, encostado a uma árvore, ouvindo o Comissário contar aos outros o que se
passara. Só depois de esgotar o cigarro, até sentir os dedos queimados, é que Sem Medo se
lembrou que ainda tinha o sacador nas costas. Foi então aquecer água para tomar café e fumar
outro cigarro. Para comer, tinha a noite inteira...
O julgamento de Ingratidão do Tuga realizou-se no dia seguinte. Julgamento em que
participavam todos os guerrilheiros da Base. Ingratidão reconheceu que tinha roubado. Cada
guerrilheiro falou, todos condenaram o gesto. Mas alguns invocavam circunstâncias atenuantes;
entre eles, Teoria e Ekuikui. O Comando reuniu-se em seguida, para deliberar sobre a pena.
O Comissário foi o primeiro a falar:
— Como prevê a Lei da Disciplina e como se faz habitualmente noutras Regiões, este
crime só pode ter um castigo: fuzilamento. Não tenho mais nada a dizer, a situação é clara.
Ingratidão deve ser fuzilado, por roubar bens do povo, por sabotar as relações entre o
Movimento e o Povo, sobretudo agora, que estamos no princípio.
As palavras do Comissário não foram seguidas de exclamações. A sua dureza provocou
um silêncio gelado e um arrepio nos outros dois. Só muito tempo depois o Chefe de Operações
deixou de brincar com o punhal, para afirmar:
— Acho que o Camarada Comissário é muito duro. Não devemos esquecer a atitude
desse povo contra o MPLA. Muitos camaradas já morreram, por traição do povo. Por isso os
guerrilheiros não gostam do povo de Cabinda. Isso leva-os a cometerem crimes. Está errado, eu

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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...