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— Estraguei então tudo – disse Vewê, desamparado. – Mas ouvi gritar «apanha vivo»...
— Eu é que gritei «apanhem os abrigos» – disse o Comissário.
— O camarada Comissário gritou «apanhem os abrigos» e eu ouvi «apanhem vivos»? –
repetiu Vewê. – Estraguei tudo...
Os guerrilheiros começavam a sair do estado de estupor quando ouviram, vindo do catre
do Comandante, uma espécie de ronco profundo, saído do estômago, e que em breve se
libertou na mais monumental gargalhada da história da Base. A gargalhada fez estremecer os
homens, subiu através dos troncos das árvores e foi misturar-se ao vento que agitava as folhas
do Mayombe.
— O camarada Comandante ri? – perguntou o Comissário. – Não vejo onde está a
graça! Todo o esforço que fizeram foi inútil, percebeu? Percebeu? Trouxe tanta gente,
arrancou-os das camas, paralisou todo o trabalho do Movimento em Dolisie, e ainda ri? Tudo
por causa dum miúdo covarde, que não resistiu a umas rajadas. E o camarada ri?
O Comissário estava diante do Comandante, as pernas afastadas, um dedo tremente
apontado para ele.
— A invasão da surucucu! — disse Sem Medo, no meio da gargalhada que o sufocava.
Alguns guerrilheiros sorriram. Vewê encolhia-se num canto, fascinado pelo
Comandante. Teoria, ainda sumariamente vestido, também se encolhia. Mundo Novo fechava a
cara, olhando Sem Medo.
De repente, Sem Medo saltou da cama.
— Que querem que se faça? Agora, só nos resta rir. Quem não compreende, paciência,
que não compreenda! Mas eu prefiro que tenha sido uma surucucu que o tuga a invadir a Base.
Esforço inútil? Acham inútil? Mobilizámos mais de trinta homens em menos de uma hora, com
civis no meio. Sabem o que isso significa? Se não sabem, não percebo por que estão aqui a dizer
que lutam. Foi o mais extraordinário sinal de solidariedade coletiva que vi. E de espírito
combativo. Para mim chega. Estou contente por vos encontrar todos vivos. E acho graça à
história, acho, sim. E depois? E depois?
Voltou a deitar-se. Teoria percebeu as lágrimas que faziam faiscar os olhos do
Comandante.
— A culpa foi minha – disse ele. – Nunca deveria fazer fogo, quando se estava à espera
do inimigo. Devo ser castigado.
— A culpa foi minha – disse Vewê, levantando-se e virando-se para o Comandante. – O
guarda disse que parecia rajadas de Pépéchá, que era melhor esperar. Mas eu disse-lhe que ouvi
gritar «apanha vivos» e puxei-o para fora. A culpa foi minha.
— Os camaradas serão julgados mais tarde – disse o Comissário.
— Mas porque não avisou Dolisie, camarada Comissário? – perguntou Mundo Novo. –
Quando se apercebeu de que os camaradas tinham fugido, devia pensar que eles iam avisar em

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