A Missão
O rio Lombe brilhava na vegetação densa. Vinte vezes o tinham atravessado. Teoria, o
professor, tinha escorregado numa pedra e esfolara profundamente o joelho. O Comandante
dissera a Teoria para voltar à Base, acompanhado de um guerrilheiro. O professor, fazendo
uma careta, respondera:
— Somos dezasseis. Ficaremos catorze.
Matemática simples que resolvera a questão: era difícil conseguir-se um efetivo
suficiente. De mau grado, o Comandante deu ordem de avançar. Vinha por vezes juntar-se a
Teoria, que caminhava em penúltima posição, para saber como se sentia. O professor escondia
o sofrimento. E sorria sem ânimo.
À hora de acampar, alguns combatentes foram procurar lenha seca, enquanto o
Comando se reunia. Pangu-Akitina, o enfermeiro, aplicou um penso no ferimento do professor.
O joelho estava muito inchado e só com grande esforço ele podia avançar.
Aos grupos de quatro, prepararam o jantar: arroz com corned-beef. Terminaram a refeição
às seis da tarde, quando já o Sol desaparecera e a noite cobrira o Mayombe. As árvores
enormes, das quais pendiam cipós grossos como cabos, dançavam em sombras com os
movimentos das chamas. Só o fumo podia libertar-se do Mayombe e subir, por entre as folhas
e as lianas, dispersando-se rapidamente no alto, como água precipitada por cascata estreita que
se espalha num lago.
Eu, O Narrador, Sou Teoria.
Nasci na Gabela, na terra do café. Da terra recebi a cor escura de café, vinda da mãe,
misturada ao branco defunto do meu pai, comerciante português. Trago em mim o
inconciliável e é este o meu motor. Num Universo de sim ou não, branco ou negro, eu
represento o talvez. Talvez é não, para quem quer ouvir sim e significa sim para quem espera
ouvir não. A culpa será minha se os homens exigem a pureza e recusam as combinações? Sou
eu que devo tornar-me em sim ou em não? Ou são os homens que devem aceitar o talvez? Face
a este problema capital, as pessoas dividem-se aos meus olhos em dois grupos: os maniqueístas
e os outros. É bom esclarecer que raros são os outros, o Mundo é geralmente maniqueísta.
O Comissário Político, alto e magro como Teoria, acercou-se dele.
— O Comando pensa que deves voltar ou esperar-nos aqui. Dentro de três dias
estaremos de volta. Ficará alguém contigo. Ou podes tentar regressar à Base aos poucos.
Depende do teu estado.
O professor respondeu sem hesitar:
— Acho que é um erro. Posso ainda andar. Temos pouca gente, dois guerrilheiros a
menos fazem uma diferença grande. O plano irá por água abaixo.
— É pouco, mas talvez chegue.
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...