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1961, ou, se estava, não sofreu nada. Estava em Luanda, devia ser estudante, que sabe ele disso?
E o Comissário? Nestas coisas o Comissário é um mole, ele pensa que é com boas palavras que
se convence o povo de Cabinda, este povo de traidores. Só o Chefe de Operações... Mas esse é
o terceiro no Comando, não tem força.
E eu fugi de Angola com a mãe. Era um miado. Fui para Kinshasa. Depois vim para o
MPLA, chamado pelo meu tio, que era dirigente. Na altura! Hoje não é, foi expulso. O MPLA
expulsa os melhores, só porque eles se não deixam dominar pelos kikongos que o invadiram.
Pobre MPLA! Só na Primeira Região ele ainda é o mesmo, o movimento de vanguarda. E nós,
os da Primeira Região, forçados a fazer a guerra aqui, numa região alheia, onde não falam a
nossa língua, onde o povo é contra-revolucionário, e nós que fazemos aqui? Pobre MPLA,
longe da nossa Região, não pode dar nada!
Caminharam toda a tarde, subindo o Lombe. Pararam às cinco horas, para procurarem
lenha seca e prepararem o acampamento: às seis horas, no Mayombe, era noite escura e não se
poderia avançar.
A refeição foi comum: arroz com feijão e depois peixe, que Lutamos e um trabalhador
apanharam no Lombe. Os trabalhadores não tentavam fugir, se bem que mil ocasiões se
tivessem apresentado durante a marcha. Sobretudo quando Milagre caiu com a bazuka e os
guerrilheiros vieram ver o que se passara; alguns trabalhadores tinham ficado isolados e
sentaram-se, à espera dos combatentes, sem escaparem. A confiança provocava conversas
animadas.
Aproveitando algumas informações colhidas, o Comissário falou para os trabalhadores,
enquanto os garfos levavam o arroz com feijão ao seu destino.
— Vocês ganham vinte escudos por dia, para abaterem as árvores a machado,
marcharem, marcharem, carregarem pesos. O motorista ganha cinquenta escudos por dia, por
trabalhar com a serra. Mas quantas árvores abate por dia a vossa equipa? Umas trinta. E quanto
ganha o patrão por cada árvore? Um dinheirão. O que é que o patrão faz para ganhar esse
dinheiro? Nada, nada. Mas é ele que ganha. E o machado com que vocês trabalham nem sequer
é dele. É vosso, que o compram na cantina por setenta escudos. E a catana é dele? Não, vocês
compram-na por cinquenta escudos. Quer dizer, nem os instrumentos com que vocês
trabalham pertencem ao patrão. Vocês são obrigados a comprá-los, são descontados do vosso
salário no fim do mês. As árvores são do patrão? Não. São vossas, são nossas, porque estão na
terra angolana. Os machados e as catanas são do patrão? Não, são vossos. O suor do trabalho é
do patrão? Não, é vosso, pois são vocês que trabalham. Então, como é que ele ganha muitos
contos por dia e a vocês dá vinte escudos? Com que direito? Isso é exploração colonialista. O
que trabalha está a arranjar riqueza para o estrangeiro, que não trabalha. O patrão tem a força
do lado dele, tem o exército, a polícia, a administração. É com essa força que ele vos obriga a
trabalhar, para ele enriquecer. Fizemos bem ou não em destruir o buldozer?
— Fizeram bem – responderam os trabalhadores.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora