casca das arvores, beliscando-se nos frutos escondidos por baixo das folhas caldas, lá está ele,
ali, no meio dos jovens, ensinando o que sabe, totalmente, entregando-se aos alunos, abrindo-se
como as coxas duras duma virgem, e ele, que está ali, diz que o faz interesseiramente.
Sem Medo é um desinteressado, a terceira camisa que tinha ofereceu-a ao guia, que
acabou por fugir com ela, entregando-se aos tugas.
Se diz que é interesseiro, isso é vaidade. É vaidade de mostrar o que muitos escondem, é
uma afirmação de personalidade. Claro que é uma afirmação exagerada, extremista, defeito da
sua mentalidade pequeno-burguesa.
Como se fosse possível fazer-se uma Revolução só com homens interesseiros, egoístas!
Eu não sou egoísta, o marxismo-leninismo mostrou-me que o homem como indivíduo não é
nada, só as massas constroem a História. Se fosse egoísta, agora estaria na Europa, como tantos
outros, trabalhando e ganhando bem. Porque vim lutar? Porque sou desinteressado. Os
operários e os camponeses são desinteressados, são a vanguarda do povo, vanguarda para, que
não transporta com ela o pecado original da burguesia de que os intelectuais só muito
dificilmente se podem libertar. Eu libertei-me, graças ao marxismo.
Por isso, Sem Medo está errado. Mas como explicar-lho, como fazer-lhe compreender
que a sua atitude anarquista é prejudicial à lata? Lá está ele, e ri quando um se fere, e zanga-se
quando um hesita, e é esse sadismo maternal que os faz ultrapassarem-se, vencerem o medo e
lançarem-se no espaço para agarrarem uma liana fugidia. E um sorriso de triunfo perpassa nos
olhos dele, sorriso discreto que logo é abafado pela ordem dada ao seguinte. No entanto, com
que remorsos se revolveria no leito se um recruta se ferisse gravemente! Ao vê-lo, dir-se-ia que
não tem alma. Mas foi ele que correu a peito descoberto para salvar o Muatiânvua, quando
caíram na emboscada, e que chorou ao vê-lo ileso. Como é possível que diga que todos são
egoístas? É vaidade, vaidade pequeno-burguesa, e mais nada.
Não posso acreditar, recuso-me a acreditar.
O Comissário corria de um lado para o outro, em Dolisie, à procura do responsável,
André.
Este marcara-lhe encontro, na véspera à tarde, num bar, e não apareceu. Na manhã do
dia seguinte, o Comissário estava na casa de André às sete horas, mas já este se eclipsara. O
Comissário mandou Verdade ficar no bureau, à espera, e partiu, entrando nos bares, cruzando
as ruas, irrompendo pelas casas dos militantes. Nem rasto de André.
Podia ter ido ver a Ondina, desde que cheguei nem a procurei, e ando para aqui atrás
dum homem que se esconde de mim! É isto um responsável? E Ondina deve estar furiosa por
eu não ter aparecido.
Voltou a passar pelo bureau às onze horas. Verdade montava a guarda.
— Não entrou nem saiu.
— Fica aqui. Vou à escola.
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...