calculado, implacável. Um dominador com ódio não gesticula, não ofende; ele poupa o esforço,
os gestos, o ódio; é a sua ação, mais que os símbolos, que exprime a sua determinação.
«Tal gostaria de ser hoje, mas este é um herói de romance. Há os camaradas mortos ou
em perigo de morte e não consigo dominar as emoções, não consigo atingir o êxtase sensual de
dominar, arriscando friamente, lucidamente. Há o João no meio, deixo de ser lúcido. E, mais do
que nunca, Leli.»
Sem Medo fez aos homens o sinal de avançar. Deu ele próprio o exemplo, refazendo o
caminho da véspera. Avançava de cócoras, limpando o terreno com as mãos, evitando assim
que um guerrilheiro pisasse um pau seco. Ao fim de certo tempo, as coxas e os músculos das
nádegas doíam atrozmente. Mas era o único processo. Se há uma cobra? Só faltava mais essa,
pensou ele. Como conhecia já o caminho, chegaram ao rio em vinte minutos. Sem Medo
descansou, antes de prosseguir.
Mundo Novo chegou-se a ele e sussurrou:
— Agora é melhor ir eu à frente.
— Não, vou eu – disse Sem Medo. – Vem atrás de mim.
Puseram as armas em posição de fogo e retomaram a marcha. Pararam na última curva
do rio.
— Agora é preciso esperar a madrugada para avançarmos. Não conseguiríamos colocar
bem os camaradas.
Estava mais próximo da Base que na véspera. Os guerrilheiros sentaram-se
silenciosamente. A progressão foi perfeita, pensou Sem Medo. Só mesmo um guerrilheiro já de
prevenção poderia pressentir a nossa marcha. Quando poderei eu fumar?
Às seis menos dez, as árvores começaram a tomar formas difusas. Cinco minutos
depois, já se viam os vultos dos paus. O Mayombe renascia da escuridão. Sem Medo pôs-se de
pé e segredou aos homens:
— Um de cada lado do rio, com dez metros de intervalo.
Sem Medo viu Mundo Novo colocar-se na primeira posição, do outro lado do regato. É
corajoso, vai dar um bom responsável de Dolisie. A vida ensiná-lo-á a ser mais relativo.
A progressão foi ainda mais vagarosa, pois deviam ir de rastos sobre as pedras. Por
vezes, tinham de entrar na água pouco profunda. A água estava fria e a roupa molhada colava-
se em arrepios ao corpo. O Mayombe já recuperara o arco íris verde. Sem Medo recebeu-o
como um primeiro sinal de boas vindas.
Iam acabar de dobrar a última curva. Bastaria avançar mais vinte metros e o leque estaria
naturalmente formado. Sem Medo e Mundo Novo fizeram a curva. Estacaram de repente. A
quinze metros deles estava um homem claro, lavando-se no rio. Um mulato, pensou Sem
Medo. O homem estava de costas para eles. A meia obscuridade não permitia ainda distinguir
tudo muito bem. O Comandante e Mundo Novo interrogaram-se com os olhos.
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mayombe (Completo)
Roman d'amourA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...