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— Camaradas, se continuam assim eu vou chamar os responsáveis – disse Teoria.
— Tu, cala-te – disse Milagre. – Não tens nada que falar, ouviste? A conversa não é
contigo...
— Mas...
— Camarada Teoria – disse Kiluanje —, o camarada não foi chamado aqui. Por isso é
melhor não se meter.
— Mas o que estão a dizer é grave – disse Teoria. – Vocês ainda não se aperceberam?
— Como não se aperceberam? – interrompeu Ekuikui. – Eles sabem o que estão a dizer,
é o que eles sentem. Não só o camarada chefe e o Milagre, mas também o Pangu. Sabem o que
estão a fazer e o que querem. Mas como eu não estou de acordo, nem com uns nem com os
outros, vou dormir. E digam, se quiserem, que é porque sou umbundo, que não me interessa,
estou cagando!
Ekuikui ia a sair, mas Teoria segurou-lhe no braço. O professor tremia e foi isso que fez
parar Ekuikui. Os outros guerrilheiros ouviam, interessados, a cena, sem se meterem.
— Não podes sair Ekuikui. Temos de acabar com esta discussão.
— Camarada professor, quando se entra em discussão tribal, o melhor é deixar, não se
meter no meio.
— Discussão tribal? – cortou Kiluanje. – Quem é que está a fazer discussão tribal aqui?
Ekuikui riu, tenso.
— Então eu tinha compreendido mal, camarada Chefe. Tinha percebido que se falava de
kimbundos e kikongos. Se não se falou, afinal, não é discussão tribal. Fui eu que ouvi mal!
— Pode-se falar sem ser discussão tribal.
— Como? – disse Teoria. – Não se pode falar nada. O melhor, Pangu-Akitina, é vires
comigo.
— Porque é que hei-de ir, se estou aqui tão bem?
— Eu vou – disse Vewê – essa conversa não me interessa.
Vewê saiu e ninguém o reteve.
— Você disse que as coisas se iam resolver, mas não de boca – disse Pangu-Akitina para
Kiluanje. – Vão-se resolver como? Com tiros?
— Travem isso, camaradas! – gritou Teoria.
— Vão-se resolver, é o que eu digo. Lembras-te do grupo do Tomás Ferreira
assassinado pela UPA? E todos os outros? Ainda não estão pagos...
— E eu sou da UPA, lá porque sou kikongo? Que culpa tenho eu que a UPA faça isso?
— Não está pago, é o que eu digo.
— E os bailundos que mataram em 61? Julgas que eles também esqueceram? Éramos
nós que os protegíamos de vocês, que vinham com as catanas...
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...