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Os guerrilheiros contemplaram-se, hesitando. Os soldados continuavam a fazer fogo e
era arriscado voltar ao sítio da emboscada, mais perigoso que fazer a emboscada. Lutamos e
Ekuikui ofereceram-se. Teoria não se ofereceu, notou Sem Medo. Está a fazer progressos,
noutra altura teria de ser voluntário, por afirmação. O Comandante deixou partir os dois
voluntários e depois disse:
— Ninguém se queria oferecer, porque Muatiânvua é um destribalizado. Fosse ele
kikongo ou kimbundo e logo quatro ou cinco se ofereceriam... Quem foi? Lutamos, que é
cabinda, e Ekuikui, que é umbundo. Uns destribalizados como ele, pois aqui não há outros
cabindas ou umbundos... É assim que vamos ganhar a guerra?
O soldado aterrorizado que deixara encravar a arma devia ser minhoto ou
transmontano. E os outros minhotos ou transmontanos disparavam raivosamente para o
cobrir. Ao situarem de onde viera o tiro de Sem Medo que fizera desaparecer o olhar
aterrorizado, todos os minhotos ou transmontanos dispararam raivosamente na sua direção.
Não havia grande diferença!
Os dois voluntários não precisaram de chegar à emboscada, pois encontraram
Muatiânvua, que se dirigia tranquilamente para o sítio de recuo.
— Que ficaste lá a fazer? – perguntou Sem Medo.
— A contar os mortos, para o Comunicado de Guerra! Havia 16 corpos na estrada,
mortos ou feridos, quem sabe? Os outros estavam zangados, insultavam mal...
— Quando mando recuar, é para recuar! – gritou Sem Medo, para se convencer. Fizera
um dia a mesma coisa e fora criticado e louvado ao mesmo tempo. Mudou logo o tom de voz:
— Dezasseis, dizes tu? Não foi nada mau. Vamos embora.
E avançaram a corta mato, Lutamos à frente abrindo caminho com a catana. Até às seis
horas, momento em que voltaram a encontrar o Lombe. Acamparam aí. Os soldados tinham
parado de fazer fogo, certamente sem mais munições, mas a artilharia do Sanga continuava a
gastar inutilmente obuses. Seria assim toda a noite. O combate durara dois minutos, constatou
Sem Medo.
Voltaram a retirar a arma a Ingratidão do Tuga. Não fizeram guarda. À noite, na mata, o
melhor guarda era a impenetrabilidade do Mayombe. O inimigo não sabia o lugar para onde
tinham retirado, por isso os obuses de morteiro caíam a uns cinco quilómetros para a direita.
Os morteiros, aliás, não eram utilizados como arma ofensiva, mas apenas para levantarem o
moral dos soldados tugas, cercados numa mata desconhecida e temível, que escondia monstros
aterrorizadores. O barulho acalmava-os, dava-lhes consciência do seu poderio, protegia-os do
seu próprio medo.
O Comissário veio sentar-se ao lado do Comandante, a testa jovem cortada por uma
ruga. O Chefe de Operações também se encontrava ali ao lado.
— Camarada Comandante, vamos pensar no dinheiro do trabalhador? Como fazer para
o devolver?

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora