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Esvaziou o copo e levantou-se da mesa, sorridente. Ao passar pela criada,
cumprimentou-a, afagando-lhe a bunda. Ela deixou, encolhendo os ombros.
Ao voltar ao bureau, Sem Medo quase chocou com Ondina, que saía, o ar assustado.
— Que há? – perguntou ele.
— Onde estavas?
— Fui ali ao lado. Mas o que há?
— O João, o João endoideceu.
— Porquê? Calma, calma, Ondina!
Levou-a para o bureau e fechou a porta. Sentou-a à secretária.
— Ele está maluco!
— Mas o que se passou, merda! Conta lá duma vez!
Ondina procurou dominar-se. A voz dela era primeiro incerta, foi ganhando segurança
aos poucos.
— Ele foi ao meu quarto, penso que quando saiu daqui. Abriu a porta sem bater.
Começou a falar, a dizer que tu e eu estávamos enganados com ele, que se não deixaria abater.
Que nós queríamos liquidá-lo, amachucá-lo, que abusávamos da sua ingenuidade. Que eu
pensava que ele era um miúdo, que fizera tudo para o destruir, mas que ele não era um miúdo e
não se deixaria destruir. Que ia mostrar do que era capaz. Para isso, não queria saber mais de
mim, ia passar-se de mim, ia esquecer-me imediatamente. E que tu sempre tentaras impedir-me
de o amar, ou, pelo menos, não ajudaste. Que querias que...
— Ele fosse um solitário como eu – disse Sem Medo.
— É isso.
— Ele contou-me o mesmo discurso. E depois?
— Depois despiu-me. Ontem tinha-me rasgado um vestido, hoje rasgou o outro.
Despiu-me à força, mas não tentou tocar-me. Disse-me: «Vê, posso estar contigo aí nua e não
ter vontade de fazer amor contigo!» Dizia que era a primeira vez que isso acontecia e provava a
sua cura.
— E tu?
— Eu? Nem abri a boca. Depois disse que ia mostrar que era tão bom militar como tu,
que tu criaste um mito que ele iria destruir, provando que não eras nenhum feiticeiro a
comandar.
— Tem razão.
— Que ele se deixara convencer que eras um homem excepcional em todos os
domínios, que afinal não eras nada.
— Tem razão.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora