Quando os guerrilheiros avançaram cerca de um quilómetro, subindo o rio, o
Comandante mandou estacar.
— Reunião. Vamos sentar.
Os guerrilheiros obedeceram. Sem Medo continuou:
— Vamos voltar para trás e fazer uma emboscada na estrada. Os trabalhadores vão dizer
que voltámos para o Congo e os tugas não esperarão encontrar-nos na estrada. Mas é preciso
tomarmos um bom avanço. Claro que não temos comida suficiente para estes dias a mais que
passaremos longe da Base. Teremos de fazer sacrifício. Mas, se a operação for bem sucedida, o
Comando pensa que vale a pena passar uns dois dias sem comer. Se os camaradas estiverem de
acordo. Estão de acordo em aguentar mais um bocado e dar uma porrada valente no tuga?
Os guerrilheiros, sem exceção, aprovaram entusiasticamente. Há muito não tinham
encontro com o exército colonial.
— Bem – disse Sem Medo, sorrindo –, então temos de deixar os trabalhadores
ganharem um bom avanço. Entretanto, vamos aproveitar para ver este caso dos cem escudos.
Isto é grave, pois pode desmentir tudo o que dissemos. Quer dizer que, afinal, somos mesmo
bandidos, que roubamos o povo. O sacana que ficou com o dinheiro é um contra-
revolucionário, além de ser um ladrão barato, pois sabotou toda a boa impressão que podíamos
ter causado aos trabalhadores. É melhor que ele diga já onde está o dinheiro... Quanto mais
tarde, pior!
Ninguém falou. O Comissário reforçou as palavras do Comandante. Ninguém se
manifestou. O Comandante mandou então vir um por um junto dele, para ser revistado. Foi
nesse momento que o Chefe de Operações disse:
— Mas, que eu saiba, o Ekuikui é que tinha o dinheiro. Porque se pensa que não foi ele
e que foi outro? Pode ter enterrado a nota, ou escondido atrás dum pau, para que não se visse
ao ser revistado. Aliás, tudo devia ter ficado com o Comissário, ele é que devia guardar. Agora,
revistar toda a gente... É uma desconfiança, é ofender!
— Já sei que a culpa é minha – explodiu o Comissário. – É certo que a culpa foi minha
por não ter ficado com o dinheiro, como fiquei com os relógios. Sim, a culpa é minha. Mas
agora o que há a fazer é revistar todos. Já revistámos o Ekuikui, vamos fazê-lo a todos. Não é
ofensa nenhuma, mas por um pagam todos.
Entretanto, Sem Medo não olhava a cara exaltada do Comissário ou os olhos frios do
Chefe de Operações. Sem Medo estudava as reações de cada um dos guerrilheiros.
— Eu não estou de acordo com a desconfiança que existe contra os guerrilheiros – disse
o Das Operações, o que fez soltar das gargantas de alguns combatentes murmúrios de
aprovação. – Se um responsável erra, por que é que esse erro se torna numa desconfiança em
relação aos guerrilheiros? Por que é que todos os guerrilheiros são envergonhados, todos, só
por causa de um? E se o erro vem dum responsável?
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...