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Percorrera isso tudo em turista, de cima das carreiras de passageiros, altivo pela visão de
cima e pelas suas pretensões de jovem kaluanda. O mesmo circuito faria, agora a pé, o lar às
costas, caracol empunhando uma arma, talvez que já não identificado ao vulto do imbondeiro
majestoso, mas à amoreira do Mayombe, cujas raízes se entrelaçam com as árvores de teca ou
de comunas, num abraço vital.
— Por enquanto a tua ação é ainda aqui – cortou o dirigente.
— O que não impedirá de sonhar com esse futuro.
— Desde que o sonho te não tire faculdades para o presente, isso não é proibido.
— Não tirará. Não sou um sonhador passivo. O sonho leva-me a criar o futuro.
— Bolas! Há muito tempo que te não via tão otimista, tão seguro de ti.
— Deste-me a única boa notícia que ouvi desde há anos.
— E esse café vem ou não? – gritou o membro da Direção.
— Está a ser plantado – disse Sem Medo. – Nesta Região tudo leva tempo a nascer.
O café chegou, finalmente. Tomaram-no em silêncio.
— Vou até à escola – disse Sem Medo. – Tenho de vigiar o Comissário, velar por ele,
como dizes. Olha, aí está quem me pode substituir.
— Também tinha pensado nele. Mas talvez seja demasiado jovem.
— Que medo é esse dos jovens? Fazes-me lembrar os velhos funcionários que temem a
concorrência das novas gerações. Bem, vejo-te logo. Agora vou cumprir as minhas funções
paternas.
As pessoas evitavam-no. Ou quando o não podiam fazer, cumprimentavam-no sem
saber bem o que dizer. Um sarnoso, pensou ele. Um corno, para chamar as coisas pelo seu
nome. Ondina estava no quarto. Bateu e a resposta veio logo a seguir. Entrou. Ondina olhou-o,
aceitou a mão que ele lhe estendia.
— Era melhor não teres vindo.
— Recebi a tua carta. Tinha de falar contigo.
— Para quê, João? Não há nada a falar.
Ele sentou-se na cama. Evitavam fitar-se. Mas num relance teve tempo de observar as
olheiras profundas da rapariga. Ela sentou-se num banco, as mãos entre as coxas.
— Preciso de saber. Acho que tenho direito a uma explicação.
— É inútil.
— Preciso de saber.
— Isso é masoquismo.
— Não é nada. Até agora não compreendi porquê. Quero saber onde falhámos. Não
achas que tenho esse direito?

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora