O Comandante, incrédulo, aliviado, sem compreender nada, virou-se para os seus
homens.
— Parem, camaradas. Parem! São os nossos afinal que estão na Base.
Os guerrilheiros viraram-se para baixo e viram Teoria. A ordem transmitiu-se a todos os
guerrilheiros.
— Teoria, vai avisar na Base que somos nós que vamos entrar. Senão, alguém ainda abre
fogo. Mundo Novo, corre a avisar o Das Operações.
A certeza de que a Base estava intacta começava a instalar-se aos poucos em todos.
Ouviram Teoria gritando, avançaram então calmamente, mas ainda em leque. Os guerrilheiros
saíam das palhotas, as armas na mão. Viram os outros que para eles avançavam, de armas na
mão. No meio, um mulato todo nu que gritava:
— Os nossos chegaram. Sem Medo chegou. Não atirem, não atirem! Sem Medo chegou.
Passados os primeiros momentos de surpresa, os guerrilheiros correram uns para os
outros. Abraçaram-se apertadamente. Os que ficaram na Base eram só doze, sentiam o perigo já
longínquo, com a vinda do reforço. Os que chegavam riam de os ver vivos. A confusão de
gritos e risos e abraços foi tumultuosa. Os homens olhavam-se, apalpavam-se para ver que em
face de si estavam companheiros, e abraçavam-se.
Sem Medo deixou o Comissário para o fim. Quase correu para ele, os braços abertos, a
AKA esquecida contra uma árvore. Os nervos cediam, queria abraçar João, rir e chorar. Mas o
Comissário percebeu o gesto e estendeu-lhe uma mão fria. Sem Medo estacou, hesitou, fez uma
careta. Apertou-lhe molemente a mão. Correu para o seu catre e deitou-se nele.
Acendeu o seu primeiro cigarro e consumiu-o raivosamente.
Os responsáveis foram-se reunindo na casa do Comando. Sem Medo fumava
ininterruptamente, fixando o teto.
— Que se passou então? – perguntou o Chefe de Operações.
O Comissário sentou-se no catre. Acendeu um cigarro. Já tem os seus próprios cigarros,
reparou Sem Medo. Fixando o teto, estava atento aos gestos do outro, que evitava olhá-lo.
— O Teoria foi ao rio – disse o Comissário, dirigindo-se ao Chefe de Operações, mas
falando para Sem Medo.
— Estávamos de prevenção, tínhamos cavado abrigos, tínhamos-te enviado para
controlar o caminho. (A voz do Comissário era firme, agressivamente firme, como o constatou
o Comandante.) De repente, no rio, o Teoria viu avançar uma surucucu. Pareceu-lhe que o ia
atacar. Teoria deu-lhe uma rajada e a seguir uma outra. Ouvindo isso, mandei todos para os
abrigos. Depois, o Teoria veio explicar o que se passara. Notámos a ausência de Vewê e do
camarada que estava de guarda. Éramos tão poucos, ficámos com o efetivo ainda mais
reduzido. Os guerrilheiros que acabavam de chegar ouviam, estupefatos, a história narrada pelo
Comissário.
— Era então uma surucucu? – perguntou um. – Uma surucucu que invadiu a Base?
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...