— Foi pena o tuga ter escapado – disse o Das Operações.
— Que íamos fazer? Disparar sobre ele e matá-lo, como faz a UPA? É um civil. Tinha
uma tal cara de medo! Não devemos mostrar coragem assassinando civis, mesmo que
colonialistas... Tentámos apanhá-lo vivo, mas fugiu. Assim até foi melhor! Que íamos fazer
dele? Libertá-lo como aos outros? Haveria uma revolta dos guerrilheiros. Levá-lo para o
Congo? Com que pretexto?
— Acho que fizeste bem – disse o Comissário. – Não devemos ir contra a população
civil, embora ela seja hostil. Para quê dar argumentos ao Governo?
O Chefe de Operações nada disse. Levantou-se e foi à mata.
– Falaste do bilhete que deixaste no buldozer, mas não disseste qual o teor dele,
Comandante.
Sem Medo explicou-lhe o que dizia o bilhete. O Comissário riu e depois disse:
— Muito pouco político!
— Que querias? Que copiasse uma citação de Marx? A única política que esses tugas
compreendem é essa.
Almoçaram ali mesmo, os guerrilheiros e os trabalhadores. As gamelas foram passadas
de mão em mão. Um trabalhador tinha um maço de cigarros, que distribuiu pelos guerrilheiros.
As palavras soltaram-se, deitados perto do Lombe, e só então os trabalhadores descobriram que
Lutamos também era de Cabinda.
Pronto, pensou Sem Medo, viram que há um deles entre nós, já têm confiança. O
tribalismo às vezes ajuda. Mas que tem o Das Operações que está tão atento à conversa? Ah!
Tenta captar o que diz Lutamos, espiar se não trai. Com que prazer este tipo não comeria o
Lutamos, frito com óleo de palma...
Eu, o Narrador, Sou Milagre.
Nasci em Quibaxe, região kimbundo, como o Comissário e o Chefe de Operações, que
são dali próximo.
Bazukeiro, gosto de ver os camiões carregados de tropa serem travados pelo meu tiro
certeiro. Penso que na vida não pode haver maior prazer.
A minha terra é rica em café, mas o meu pai sempre foi um pobre camponês. E eu só fiz
a Primeira Classe, o resto aprendi aqui, na Revolução. Era miado na altura de 1961. Mas
lembro-me ainda das cenas de crianças atiradas contra as árvores, de homens enterrados até ao
pescoço, cabeça de fora, e o trator passando, cortando as cabeças com a lâmina feita para abrir
terra, para dar riqueza aos homens. Com que prazer destruí há bocado o buldozer! Era parecido
com aquele que arrancou a cabeça do meu pai. O buldozer não tem culpa, depende de quem o
guia, é como a arma que se empunha. Mas eu não posso deixar de odiar os tratores, desculpem-
me.
E agora o Lutamos fala aos trabalhadores. Talvez explique que os quis avisar antes, mas
que foi descoberto. E deixam-no falar! O Comandante não liga, ele não estava em Angola em
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...