sei. Ninguém defende o Ingratidão, mas é preciso também considerar isso. Um erro é menor, se
há razões anteriores que levam as pessoas a cometerem esses erros.
— Não há justificação! Se o povo antes traía, havia razões. Não estava politizado, o Taty
enganou-os e eles acreditavam que o tuga ia mudar de política e que éramos nós que
impedíamos, porque teimávamos em fazer a guerra. E Ingratidão estava esclarecido. Quantos
papos batemos nós para explicar como se deve tratar o povo? Os erros anteriores não
justificam um erro presente. E só pode haver um castigo. Somos nós que permitimos estes
erros que estragam as nossas relações com o povo. Somos nós, com a nossa fraqueza, o nosso
tribalismo, que impedimos a aplicação da disciplina. Assim nunca se mudará nada.
O Chefe de Operações ia responder, quando Sem Medo tomou a palavra:
— Comissário, tu és jovem e, como todo jovem, inflexível. Mas vê um pouco com
calma. Que se deve fazer a um tipo que rouba dinheiro do Movimento? Fuzilamento. Já alguém
foi fuzilado? Não. Que devia acontecer a alguém que recuse, sem razão, vir para a Base?
Expulsão, depois de um tempo de cadeia, não? Mas que lhe acontece na realidade? É protegido,
não lhe acontece mais que uns quinze dias de cadeia e depois fica em Dolisie. Podia repetir-te
os exemplos... Como é que nós, agora, podemos aplicar a maior pena, a pena de morte?
— Não é por fraqueza, acredita. Mas a indisciplina que reina lá fora leva à indisciplina
aqui. Os exemplos de fora, do exterior, dos refugiados fardados de militantes, vêm influenciar
os combatentes, enfraquecer-lhes o moral. Isto não sucederia se a Região funcionasse bem. Vê
o Ingratidão! Combatente no Norte de 61 até 65. Combatente em Cabinda desde essa data. Há
dez anos que combate o inimigo. Tem pouca formação política? Certamente. Mas a culpa não é
dele. Quem a tem? Ele vê os exemplos que vêm de cima. A culpa também não é tua. Tu tomas
este fato como uma ofensa pessoal, porque és o Comissário, o responsável pela formação
política. Não podes fazer mais do que fazes para convencer o Ingratidão que o povo de
Cabinda é como o do resto de Angola. Ingratidão também não pode ser convencido só por
palavras. Só a prática o levará a essa constatação. Não é justo fuzilar um combatente com dez
anos de luta, quando outros criminosos ficam indenes, embora o seu crime teoricamente
mereça esse castigo. Não, não se pode. Noutras circunstâncias, Ingratidão não teria feito o que
fez e seria permeável à formação que lhe tentámos dar. Mas neste contexto é impossível.
O Chefe de Operações apoiou:
— Se o executarmos, ou há uma revolta ou a maior parte dos guerrilheiros deserta. E
não temos efetivo...
— Isso não é argumento – disse o Comissário. – Que fiquem só cinco, mas cinco bons,
cinco conscientes... é melhor que ter muitos, graças a compromissos. Não posso admitir a
chantagem!
— Chantagem?
— Sim, isso é chantagem. Os guerrilheiros mal formados fazem chantagem por causa da
falta de efetivo. O verdadeiro efetivo está lá onde fomos, naquelas aldeias, naquelas
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...