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— Ondina, deves compreender que vim para tratar de certos assuntos urgentes... Ontem
à noite, estive para cá vir, quando perdi as esperanças de encontrar o André... Mas era tarde. ..
Já sabes como as pessoas falam, preferi não vir...
— Preferiste eu sei o quê! Foste ao bar...
— Mas só lá estive meia hora...
Queria dizer que fora convidado por um camarada. Queria explicar-lhe o que significa
beber uma cerveja gelada quando se está meses e meses na mata. Queria explicar-lhe que não
prestara atenção à conversa, com vontade de vir vê-la, que ela se refletia na espuma da cerveja,
que se não fosse a má língua... Mas nada disse, intimidado, vencido.
— Vieram-me dizer que te viram no bar – disse ela. – Não venhas com estórias que
andas atrás do André, o André não vai aos bares.
— Não vai aos bares? Passa lá a vida!
— Que é que tens contra o André? Ele não ficaria no bar se estivesse no teu caso.
— Ora, não queres compreender.
Ondina viera há um ano de Angola. Estudara uma boa parte do Liceu, mais que ele.
Mesmo depois de noiva em [], isso sempre foi uma barreira. O Comissário considerava que
Ondina lhe fizera um favor, aceitando-o, pois podia aspirar a pessoas mais cultivadas. Ele
formou-a politicamente, mas nem isso o convenceu de que estavam em pé de igualdade. Se não
acabasse com esses complexos, o amor deles falharia, dissera um dia Sem Medo. Mas o
Comissário nunca tivera um namoro, a sua experiência era unicamente de prostitutas, a
desvantagem era grande em relação a uma Ondina que já conhecera outros homens.
A primeira vez que fizeram amor foi provocada por ela, que comandou, enquanto ele se
afligia, se atemorizava, se inibia. A impressão de que o amor é melhor quando com uma quitata
custou a abandoná-lo, mesmo depois de várias experiências com Ondina. Sem Medo tinha
razão, devia ter confiança em si próprio. Mas não tinha. E sentia que Ondina não apreciava a
sua maneira de amar.
— Vou encontrá-lo agora. Logo à tarde podemos estar juntos, eu venho cá. Se se
arranjar a comida, mando um grupo lá e fico uns dias. É tudo o que posso fazer... Tivemos um
combate...
A lembrança fê-la sobressaltar. Virou-se para ele e agarrou-lhe na mão.
— Ouvi falar, sim. Não foi perigoso?
— Não, correu tudo bem.
Aproximaram-se. Os olhos dela brilharam. O Comissário sentiu um calor indefinível
subir-lhe pelo corpo e toda a amargura desapareceu. Beijaram-se. Estava perdoado, pensou ele.
Mas já estava a imaginar como se desculparia em seguida para partir e o gelo que de novo se
formaria entre eles. A voz saiu triste:
— Ondina, tenho de ir.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora