Capítulo II
A Base
O Mayombe tinha aceitado os golpes dos machados, que nele abriram uma clareira.
Clareira invisível do alto, dos aviões que esquadrinhavam a mata, tentando localizar nela a
presença dos guerrilheiros. As casas tinham sido levantadas nessa clareira e as árvores,
alegremente, formaram uma abóbada de ramos e folhas para as encobrir. Os paus serviram para
as paredes. O capim do teto foi transportado de longe, de perto do Lombe. Um montículo foi
lateralmente escavado e tornou-se forno para o pão. Os paus mortos das paredes criaram raízes
e agarraram-se à terra e as cabanas tornaram-se fortalezas. E os homens, vestidos de verde,
tornaram-se verdes como as folhas e castanhos como os troncos colossais. A folhagem da
abóbada não deixava penetrar o Sol e o capim não cresceu em baixo, no terreiro limpo que
ligava as casas. Ligava, não: separava com amarelo, pois a ligação era feita pelo verde.
Assim foi parida pelo Mayombe a base guerrilheira.
A comida faltava e a mata criou as «comunas», frutos secos, grandes amêndoas, cujo
caroço era partido à faca e se comia natural ou assado. As «comunas» eram alimentícias, tinham
óleo e proteínas, davam energia, por isso se chamavam «comunas». E o sítio onde os frutos
eram armazenados e assados recebeu o nome de «Casa do Partido». O «comunismo» fez
engordar os homens, fê-los restabelecer dos sete dias de marchas forçadas e de emoções. O
Mayombe tinha criado o fruto, mas não se dignou mostrá-lo aos homens: encarregou os gorilas
de o fazer, que deixaram os caroços partidos perto da Base, misturados com as suas pegadas. E
os guerrilheiros perceberam então que o deus-Mayombe lhes indicava assim que ali estava o seu
tributo à coragem dos que o desafiavam: Zeus vergado a Prometeu, Zeus preocupado com a
salvaguarda de Prometeu, arrependido de o ter agrilhoado, enviando agora a águia, não para lhe
furar o fígado, mas para o socorrer. (Terá sido Zeus que agrilhoou Prometeu, ou o contrário?)
A mata criou cordas nos pés dos homens, criou cobras à frente dos homens, a mata
gerou montanhas intransponíveis, feras, aguaceiros, rios caudalosos, lama, escuridão, Medo. A
mata abriu valas camufladas de folhas sob os pés dos homens, barulhos imensos no silêncio da
noite, derrubou árvores sobre os homens. E os homens avançaram. E os homens tornaram-se
verdes, e dos seus braços folhas brotaram, e flores, e a mata curvou-se em abóbada, e a mata
estendeu-lhes a sombra protetora, e os frutos. Zeus ajoelhado diante de Prometeu. E Prometeu
dava impunemente o fogo aos homens, e a inteligência. E os homens compreendiam que Zeus,
afinal, não era invencível, que Zeus se vergava à coragem, graças a Prometeu que lhes dá a
inteligência e a força de se afirmarem homens em oposição aos deuses. Tal é o atributo do
herói, o de levar os homens a desafiarem os deuses.
Assim é Ogun, o Prometeu africano.
Três dias depois da missão, chegou à Base um grupo de oito guerrilheiros. Todos jovens,
as idades variavam entre os dezassete e os vinte anos. Tinham atravessado há pouco
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mayombe (Completo)
RomanceA história do livro tem como cenário Angola nos anos 70, período que marca as lutas pela independência do país. No primeiro capítulo intitulado "A Missão", os guerrilheiros no Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA) chegam à selva de Mayomb...