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preciso sempre distinguir entre o tribalismo justo e o tribalismo injusto, e não falar à toa. É
verdade que todos os homens são iguais, todos devem ter os mesmos direitos. Mas nem todos
os homens estão ao mesmo nível; há uns que estão mais avançados que outros. São os que
estão mais avançados que devem governar os outros, são eles que sabem. E como as tribos: as
mais avançadas devem dirigir as outras e fazer com que estas avancem, até se poderem
governar.
Mas, o que se vê agora aqui? São os mais atrasados que querem mandar. E eles vão
apanhando os lugares-chave, enquanto há dos nossos que os ajudam. É como esse parvo do
Comissário, que não percebe nada do que se passa. Deixa-se levar pelo Comandante, está
sempre contra o Chefe de Operações. Um tipo que é inteligente, poças!, ele lê muito, e, afinal,
deixa-se levar assim. Ou será que faz de propósito? Às vezes penso que ele tem um pacto com
os outros contra nós, os do seu sangue.
Eu sofri o colonialismo na carne. O meu pai foi morto pelos tugos. Como posso
suportar ver pessoas que não sofreram agora mandarem em nós, até parece que sabem do que
precisamos? É contra esta injustiça que temos de lutar: que sejam os verdadeiros filhos do
povo, os genuínos, a tomar as coisas em mãos.
Choveu durante toda a noite. Alguns guerrilheiros, entre os quais Sem Medo,
conseguiram dormir. A maior parte, porém, não pregou olho, tremendo de frio e recebendo a
chuva em todo o corpo.
De madrugada, as feições encovadas demonstravam o cansaço de dias seguidos de
esforço e sofrimento. Só beberam leite. A comida estava molhada, a xikuanga desfizera-se com
a água. Restava-lhes o arroz e as latarias, aliás raras. A mata estava húmida, pingando ainda das
folhas. O chão era um pântano escorregadio. Avançaram sempre a corta mato, até que às dez
horas reencontraram o Lombe. Uma patrulha subiu a uma elevação, para se orientar.
Estavam perto da estrada. Retomaram a marcha, tendo esquecido o cansaço. Ao
alcançarem a estrada, ouviram duas explosões surdas, logo seguidas de uma outra: os tugas
tinham saltado nas minas perto do buldozer. Os guerrilheiros riram, segurando com mais
firmeza as armas.
Passados momentos, o Chefe de Operações foi fazer um reconhecimento, à procura do
melhor sítio para se fazer a emboscada. Era já meio-dia. Quando o Chefe de Operações voltou,
avançaram todos para o local escolhido. Sem Medo apreciou o sítio, aprovou com a cabeça e
dispôs os homens ao longo da estrada. Ninguém comera, só chuparam um pouco de leite das
latas. Os guerrilheiros tinham de estar prontos para tudo, pois os soldados podiam voltar dum
momento para o outro, transportando os feridos das minas.
Passaram altas horas. Nada. Sem Medo foi ter com o Comissário e o Chefe de
Operações.
— Levaram os feridos para o outro quartel, certamente – disse o Comandante. – Mas
há-de vir uma patrulha por aqui. Temos de aguentar.

mayombe (Completo)Onde histórias criam vida. Descubra agora